quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Imigrantes latinos engrossam luta por moradia em São Paulo


Imigrantes latinos engrossam luta por moradia em São Paulo

Artur Rodrigues, Marcelo Godoy e Nilton Fukuda

Divulgação

Muitos bolivianos vêm para o Brasil em busca de melhores oportunidades de trabalho




Um drama do primeiro mundo chegou ao Brasil. O aumento da imigração de latino-americanos, como bolivianos, paraguaios, peruanos e haitianos, empurrou essas pessoas para favelas, cortiços e terrenos invadidos na cidade de São Paulo. Sem dinheiro para pagar aluguel, eles se tornam cada vez mais conhecidos dos movimentos sem-teto, que os ajudam a se legalizar e entrar nos programas de habitação.

Só na ocupação Pinheirinho 2, no extremo leste da capital, há pelo menos 20 famílias de bolivianos que tentam conseguir uma casa própria e a inclusão em benefícios do governo. "Há também chilenos, argentinos, nigerianos. Nossos advogados ajudam no processo de legalização", afirma o metalúrgico Jean Carlos da Silva, de 36 anos, um dos coordenadores da ocupação. Após ameaça de reintegração de posse no mês passado, o terreno está sendo desapropriado pela Prefeitura para a construção de moradias.

Em 2009, os acordos do Mercosul que dão direito à residência abriram espaço para que todos os bolivianos, paraguaios e chilenos pudessem ter os mesmos direitos civis e sociais dos brasileiros. Em 2011, foi a vez dos peruanos. Com documentos em mãos, eles passaram engrossar as fileiras dos movimentos sociais na cobrança por uma casa própria.

Morador do Pinheirinho 2 com a mulher e as duas filhas, o boliviano Ivan Apaza, de 30 anos, esperava conseguir uma das casas anunciadas pelo prefeito Fernando Haddad (PT) na segunda-feira passada. "Morava em São Mateus e o aluguel era de R$ 800. Vivia só para pagar o aluguel", diz ele, que aproveitou o anúncio para tirar uma foto com Haddad.

A presença de estrangeiros nas ocupações do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto também é comum. "Se para os brasileiros a situação já é complicada, para um boliviano que é explorado em uma tecelagem é pior ainda", afirma Guilherme Boulos, um dos coordenadores do movimento. Com ajuda do movimento, diz Boulos, um imigrante boliviano já conseguiu um apartamento pelo programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal. Ele afirma que, em outros Estados do País, a situação é ainda mais dramática. "Na cidade de Manaus, há uma ocupação do movimento formada praticamente por haitianos", afirma.

Para Boulos, a supervalorização dos imóveis no centro, onde os imigrantes se fixaram na década passada, favorece a expulsão desse grupo para áreas cada vez mais distantes.

Periferia

A boliviana Amanda Ticona, de 42 anos, chegou a São Paulo há dez. "Morava na Casa Verde, zona norte. Agora, só tenho condições de viver no Pinheirinho 2", diz a mãe de quatro filhos, que sobrevive vendendo comida para trabalhadores de oficinas de costura. Seu vizinho, Natan Ventura, de 26 anos, tem de cruzar todos os dias a cidade para chegar ao trabalho. "Levo duas horas para ir e duas para voltar da oficina onde trabalho, no Bom Retiro."

O vice-presidente da Associação de Residentes Bolivianos, Abel Claro, explica que os bolivianos que chegam ao Brasil moram apenas temporariamente nas oficinas de costura. "Após um tempo, eles têm obrigação de alugar uma casa", diz. "Mas se ganham R$ 1 mil, vamos supor, não conseguirão alugar uma casa", acrescenta. De acordo com estimativa da associação, há cerca de 300 mil bolivianos na cidade de São Paulo. A minoria é regularizada: dados do Ministério da Justiça revelam que, em todo o País, há cerca de 90 mil bolivianos com documentos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Obama anuncia novas regras para imigrantes sem documento


Obama anuncia hoje novas regras para imigrantes sem documento




Barack Obama fala à imprensa na Casa Branca (Michael Reynolds/EPA/Agência Lusa)Michael Reynolds/EPA/Agência Lusa

O presidente norte-americano, Barack Obama, apresenta hoje (20) um plano de mudanças sobre migração. O anúncio deve ser feito à noite, em discurso transmitido pelas redes de televisão e rádio do país.

As novas normas de migração terão efeito sobre a vida de cerca de 4 milhões de pessoas que residem nos Estados Unidos e não têm documento. Ao longo desta semana, a Casa Branca promoveu várias reuniões, e interlocutores do governo falaram sobre o plano. O anúncio pode provocar reações no Congresso americano que, após as eleições do começo deste mês, tem maioria republicana.

Em vídeo divulgado nessa quarta-feira (19) no site da Casa Branca, Obama disse que fará o discurso às 20h (23h no horário brasileiro de verão). “Vou falar sobre as medidas que posso tomar para começar a consertar nosso sistema de imigração, porque todo mundo concorda que ele está quebrado”, acrescentou.

A revisão da Lei de Imigração é uma promessa antiga de Obama, ainda em seu primeiro mandato, e um projeto de reforma do sistema migratório deveria ter sido enviado pelo Executivo ao Congresso, mas isso não ocorreu. Em junho, Obama disse que não esperava que o Congresso aprovasse uma reforma e que anunciaria mudanças no fim de setembro.

À imprensa americana, funcionários da Casa Branca ressaltaram que, apesar da assinatura do decreto, Obama estaria aberto para enviar uma proposta de reforma migratória ampla, caso os republicanos não impeçam a votação da matéria.

Os detalhes sobre o plano não foram revelados, mas os jornais e as emissoras de TV americanas especulam e analisam o teor do decreto que Obama pretende anunciar. Ainda não se sabe se a Casa Branca pretende “legalizar” também os residentes sem documentos que trabalham nos Estados Unidos. Alguns analistas apostam que o decreto deve contemplar os imigrantes sem documento que residam no país a partir de um número mínimo de anos.

O número de imigrantes beneficiados vai depender dos limites estabelecidos pela lei. A Rede CNN de Televisão mostrou que se a medida se limita aos migrantes que tenham filhos no país e um tempo mínimo de cinco anos, o número de beneficiados poderia ser 3,3 milhões. Se o número de anos sobe para dez como exigência mínima, o benefício atingiria 2,5 milhões de pessoas.

O decreto deverá aumentar o rigor com relação à deportação de imigrantes criminosos (sem documentos, que cometeram delitos em território americano) e ainda a expansão de vistos de trabalho para áreas específicas. Medidas sobre segurança nas fronteiras também devem ser anunciadas

Amanhã (21), o presidente viajará até uma escola secundária em Las Vegas, Nevada, para buscar apoio às suas ações e detalhar o impacto do projeto em um estado onde os latinos formam um eleitorado crescente e politicamente poderoso. As eleições presidenciais que vão escolher o sucessor de Obama serão feitas em 2016. Para ele, é essencial conseguir o apoio da comunidade de imigrantes, especialmente dos provenientes da América Latina, maior parcela dos que vivem no país.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Brasil: Lutando contra a escravidão dos dias de hoje



Brasil: Lutando contra a escravidão dos dias de hoje
Tradução publicada em 4 Agosto, 2009 19:54 GMT
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Cortador de cana. Foto de Ricardo Funari, usada com permissão.

Que o trabalho escravo é um resquício da escravidão no Brasil, particularmente nos Estados do Norte e Nordeste do país, já se sabe. Tendo sido o último país no mundo a decretar a abolição, em 1888, nas regiões mais isoladas onde os tentáculos da justiça têm dificuldade de chegar, a escravidão temporária por dívida e o trabalho sob coação vêm acontecendo e sendo combatidos regularmente pelo Governo.

No entanto, sempre que ocorre um incidente deste fenomeno no Estado de São Paulo, particularmente na megalópole paulistana, a notícia ganha as capas dos principais jornais brasileiros. Foi o que aconteceu na semana passada, quando fiscais do trabalho de São Paulo, acompanhados de procuradores do trabalho, libertaram 20 pessoas da escravidão (dos quais, dois jovens com 17 anos) em Mogi Guaçu (SP). O blog do Sakamoto, parceiro do premiado site Repórter Brasil, especializado na temática de trabalho escravo, noticiou o ocorrido, chamado a atenção para a ironia de encontrarem adolescentes escravos justo dentro de uma escola abandonada.


OK, isso já aconteceu outras centenas de vezes no Brasil, infelizmente. O absurdo da vez foi que o empregador alojou o pessoal em uma escola pública desativada, com fiação elétrica exposta e esgoto correndo a céu aberto. Mesmo depositando o pessoal nessas condições, disse que cobraria aluguel pela hospedagem.

A prefeitura havia feito um contrato com Pimenta para que ele usasse a casa dos fundos da escola em troca de manutenção do local. A escola Fazenda Graminha foi cedida pelo Estado para o município há nove anos. Agora, o contrato será cancelado e a prefeitura estuda entrar com um processo contra o empregador. O prédio foi lacrado e a secretaria fará um estudo sobre a possibilidade de reativar a escola. Incrível! Discute-se a “possibilidade”…




Cortadores de cana almoçando no meio do canavial, sob um sol escaldante. As refeições são servidas sem talheres, proteção contra os elementos. Foto: Ricardo Funari

A incidência do trabalho escravo em São Paulo evoca a questão já posta pelo jornalista independente e intelectual paraense Lucio Flávio Costa no passado: O trabalho escravo é uma anomalia amazônica?


Desde 2003, 192 pessoas foram autuadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego por submeter seus empregados a regime de trabalho análogo à escravidão. Mais de dois terços dessas empresas (147) atuam na Amazônia Legal. O campeão nacional do trabalho escravo é o Pará, com quase um quarto de todas as atuações, 52. As duas colocações seguintes nesse nefando ranking são ocupadas por Estados amazônicos: Tocantins (43) e Maranhão (32).

O que leva à concentração dos casos de exploração de mão-de-obra não é uma anomalia amazônica, mas o fato de a região constituir a área de expansão da fronteira econômica do Brasil. Há o pressuposto tácito (ou tático) de que o pioneiro não traz necessariamente consigo a contemporaneidade.

O que Lúcio Flávio Pinto quer dizer é que apesar da incidência do trabalho escravo ser maior na fronteira, pelas condições favoráveis (além das geográficas, conforme diz Lúcio Flávio Pinto: a ausência da contemporaneidade, da justiça, da educação etc.), ela é perpetrada por agentes econômicos, fazendeiros e empresários, de todas as partes do Brasil, sempre pactuados com atores locais. Ou seja, é “a ocasião que faz o ladrão” e em diversos contextos favoráveis para a exploração da mão-de-obra, a herança escravagista brasileira se manifesta. Fora da fronteira, outros fatores contribuem para a ocorrência do fenômeno, tal como: a gestão municipal indiferente, pouca fiscalização, sindicatos inatuantes, trabalhadores imigrantes, vulneráveis e desinformados.




Cortadores de cana no alojamento: sem água potável, camas, luz elétrica, cozinha ou banheiro. Foto: Ricardo Funari.

O caso de Mogi-Guaçu não é isolado e os blogueiros brasileiros vêm regularmente reportando a incidência de trabalho escravo em São Paulo, tanto na área rural quanto na área urbana. Este ano, o blog Anjos e Guerreiros citou matéria sobre um flagrante de trabalho escravo e exploração de mão-de-obra infantil em uma fazenda que produz limão em Cabreúva, a 70 quilômetros da capital paulista.


Uma denúncia levou a polícia até a fazenda. Um lavrador estava na propriedade há quatro meses e conta que não recebeu nenhum pagamento. Os responsáveis pela contratação devem responder por exploração de trabalho infantil.
- Às vezes o povo dá um pouco de comida. Tem vez que nós não comemos, não almoçamos e nem jantamos.
Os funcionários contaram para os policiais que havia crianças trabalhando na colheita de limão. O Conselho Tutelar foi chamado e flagrou seis menores trabalhando no local. Um deles, um menino de 12 anos.

- Não tem luvas nem tinha equipamento, nem água. Eu ganho R$ 2 reais – diz o menino.
Uma adolescente conta que os patrões pediram para todos fugirem assim que ficaram sabendo que a polícia ia chegar.
- Nós dissemos que não fugiríamos – afirmou.

Na cidade de São Paulo, em plena área urbana, a incidência de trabalho escravo tem outras características para as quais o blog Verdefato chama a atenção:


O trabalho escravo urbano é menor se comparado ao do meio rural. A Polícia Federal, as Delegacias Regionais do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Federal já agem sobre o problema. Vale lembrar que a escravidão urbana é de outra natureza, com características próprias… O principal caso de escravidão urbana no Brasil é a dos imigrantes ilegais latino-americanos – com maior incidência para os bolivianos – nas oficinas de costura da região metropolitana de São Paulo. A solução passa pela regularização da situação desses imigrantes e a descriminalização de seu trabalho no Brasil.




Um informante encapuzado que conseguiu escapar da fazenda (ao fundo) leva a Polícia Federal a um local onde os trabalhadores são mantidos presos. Foto: Ricardo Funari

O blog também relata a uma situação de uma imigrante boliviana, uma dentre tantos estrangeiros ilegais no Brasil trabalhando nessas condições:


Sentada há mais de 16 horas diante da máquina de costura, a mãe de Ramón tem pressa. Maria Diaz costura uma peça de roupa atrás da outra, intensamente. Ela tem uma agenda para cumprir. Só pára quando precisa comer ou ir ao banheiro. A mãe do pequeno Ramón é uma mulher exausta.

Desde que chegou ao Brasil, em 2003, trabalha do amanhecer até tarde da noite. Não tem carteira assinada, equipamento de proteção, assistência médica. Ela não existe nos registros de imigração. Oficialmente, o governo brasileiro não sabe de sua presença. Tampouco sua saída da Bolívia, em 2003, foi registrada pelo governo daquele país. Maria foi trazida para São Paulo por intermediários conhecidos como “coiotes”, que ganham dinheiro contrabandeando gente de um país para outro. Em São Paulo, pelo menos 100 mil bolivianos estão nessa situação.




Um homem encontrado preso em uma fazendo faz a barba para ser fotografado para a primeira carteira de trabalho que já teve na vda. Foto: Ricardo Funari.

Ainda em São Paulo, um artigo do sociólogo e vereador Floriano Pesaro citado no blog Coisas de São Paulo, discute o caso das crianças de rua que são obrigadas pelos pais a trabalharem. Trata-se de um caso misto de duas infrações: o trabalho infantil e análogo à escravidão:


O trabalho infantil nas ruas, no comércio e até dentro de casa resiste no Brasil urbano e rural. Manifesta-se em suas piores formas, com práticas análogas ao trabalho escravo: exploração sexual comercial, venda e tráfico de crianças para trabalho ou exploração sexual, uso de crianças no comércio de drogas. Estas práticas envolvem atividades criminosas que são ilícitas e que levam crianças e adolescentes à morte. Na cidade de São Paulo, de acordo com pesquisa da FIPE, de 2007, são pouco mais de mil crianças em trabalho infantil somente nas ruas.

Ao escrever esse artigo para o Global Voices Online, fiquei pensando se disseminar tão más notícias para o mundo inteiro não prejudica a imagem do Brasil no exterior, mas um blog muito interessante, do Edson Rodrigues, me ajudou a refletir sobre o assunto. Ele traz uma lista de 15 Verdades e Mentiras sobre o trabalho escravo no Brasil e numa delas discute se a divulgação internacional do trabalho escravo traz prejuízos ao país:


12) Mentira: A divulgação internacional prejudica o comércio exterior e vai trazer prejuízo ao país.
Verdade: Isso é uma falácia. Não erradicar o trabalho escravo é que prejudica a imagem do Brasil no exterior. As ameaças de restrições comerciais serão levadas a cabo se o país não fizer nada para resolver o problema. Que usamos trabalho escravo, isso é público e notório…A agricultura é fundamental para o desenvolvimento do país. Por isso mesmo, ele deve estar na linha de frente do combate ao trabalho escravo, identificando e isolando os empresários que agem criminalmente. Dessa forma, impede-se que uma atividade econômica inteira venha a ser prejudicada pelo comportamento de alguns poucos.




Emissão de documentos trabalhistas na floresta. Foto: Ricardo Funari.

Faço dele as minhas palavras e concluo este artigo certa de que o trabalho escravo é um resquício generalizado da escravidão no Brasil e que anomalia é não combater este fenômeno sempre de frente.



As fotos que ilustram esse artigo foram gentilmente cedidas pelo fotógrafo baseado no Rio de Janeiro Ricardo Funari, que trabalha criando e documentando a injustiça social no Brasil. Segundo o que conheceu por meio de seu trabalho, “em geral, o trabalhador é reduzido à condição de escravo na sua forma mais aguda, com a mercantilização do trabalho braçal. Atraído por falsas propostas de boa remuneração feitas pelo “gato”- o empreiteiro de mão-de-obra – o lavrador deixa a família, a maioria das vêzes indo para outro estado, na esperança de um futuro que o livre da miséria. As despesas e alimentação são pagas pelo “gato”que, ao final de viagem o entrega a um fazendeiro. Está dado o primeiro golpe: antes mesmo de começar a trabalhar, o peão já tem uma dívida com o “gato”, não importa que tenha viajado milhares de quilômetros em velhos ônibus, quebrados, sujos e desconfortáveis, e sobrivivido a pão e refrigerantes. O próximo passo é tornar esta dívida impagável. Para isso, são cobrados do trabalhador as ferramentas do trabalho, o abrigo em galpões imundos e em condições de higiene subumanas, além dos mantimentos comprados a preços exorbitantes nos armazéns que funcionam dentro das fazendas. É o chamado “sistema barracão”, pelo qual a dívida se transforma em um instrumento eficaz, no sentido de reduzir os trabalhadores à situação de escravos.” Seu album de fotos, Contemporary Slavery in Brazil, pode ser visto no Flickr.




Um trabalhador desdentado cai na risada ao receber pagamento de acordo com a lei. Foto: Ricardo Funari

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Novos imigrantes mudam o cenário do Rio Grande do Sul




Novos imigrantes mudam o cenário do Rio Grande do Sul
Nova migração é um movimento recente, mas suficientemente forte para causar modificações econômicas, étnicas e culturais
por Carlos Rollsing e Humberto Trezzi16/08/2014 | 13h02

No Brasil, imigrantes podem ganhar até seis vezes mais Foto: Mauro Vieira / Agencia RBS


Um novo processo migratório, formado sobretudo por africanos e caribenhos, começa a vingar no Rio Grande do Sul – onde imigrantes italianos, alemães e poloneses se instalaram aos milhares no século 19. Muitas daquelas famílias europeias se fixaram em matagais despovoados na Serra, no Vale do Taquari e no Norte, dando início às principais colonizações do Estado.

As regiões cresceram, cidades como Caxias do Sul, Lajeado e Passo Fundo se tornaram pujantes polos industriais e hoje são ponta de lança do ciclo encabeçado por 11,5 mil estrangeiros negros – vindos não de zonas rurais, como seus antecessores, mas do meio urbano, e com pelo menos o Ensino Médio no currículo escolar.

Fogem da pobreza: no Brasil, podem ganhar até seis vezes mais do que no seu país de origem. O território gaúcho é um dos principais destinos de senegaleses e haitianos, principalmente o Interior, pois em Porto Alegre o custo de vida é mais alto, e a demanda por essa mão de obra, menor. Nas pequenas cidades, eles mudam o retrato da massa trabalhadora. Em Encantado, fundada por italianos, os migrantes negros já representam 2% da população – e 30% dos funcionários de um frigorífico da Dália Alimentos.

O sonho de todos é o mesmo dos colonos que chegaram há quase 200 anos: conseguir um lugar ao sol. Produzir. Vencer no Brasil.

Leia as últimas notícias de Zero Hora
François Petit Compere, 27 anos, já se considera um vencedor. Saiu do Haiti de avião há três nos e cinco meses, rumo a Manaus. Passou horrores na jornada, dormiu ao relento, migrou para Bento Gonçalves, conseguiu emprego e hoje se diz “rico” para os padrões de seu país. Recebe R$ 1,2 mil de salário na metalúrgica Zen e, por trabalhar com polimento, mais 40% de insalubridade. Gasta R$ 300 com aluguel, almoça no bandejão da empresa e a maior parte do dinheiro restante manda para Porto Príncipe, onde sustenta o filho pequeno e a ex-mulher.

— A cada dois meses recebo, praticamente, o que levava um ano para conseguir no Haiti, como cabeleireiro — comemora François, que já trouxe a nova mulher, haitiana, para morar na Serra.


François ganha seis vezes mais do que recebia no Haiti
FOTO: DIEGO VARA

Alcançar o status de haitianos como François é o anseio dos ganeses, que começam a chegar em caravanas ao Brasil. Vincent Iaboa , 24 anos, partiu no início de julho de Kumane, no interior de Gana, onde atuava como vendedor ambulante. Juntou dinheiro seu e de um irmão para pagar a viagem, via Marrocos, até São Paulo. Pernoitou na rodoviária paulistana durante 15 dias. Quatro amigos que vieram com ele não aguentaram o barulho dos ônibus e desistiram, voltando. Iaboa era universitário, estudante de Administração de Empresas, mas aqui está disposto a fazer qualquer coisa para sobreviver. Dorme num colchonete dentro do Seminário Nossa Senhora Aparecida, em Caxias do Sul, alimentado pela caridade alheia.

ZH visitou as principais cidades gaúchas onde se concentram os novos imigrantes: Caxias, Bento Gonçalves, Lajeado, Encantado, Marau, Passo Fundo, Erechim e Gravataí. Autores do livro O Novo Rosto das Imigrações no Brasil: O Caso dos Haitianos no RS (a ser lançado em setembro), o pesquisador Jurandir Zamberlam e o padre João Marcos Cimadon, coordenador de Mobilidade Humana da Regional Sul da CNBB, estimam que 11,5 mil africanos, caribenhos e asiáticos se fixaram no Estado.



Porto Alegre é só ponto de passagem, diz Zamberlam, por conta de três fatores: o custo de vida, puxado pelo aluguel, é muito alto; estão no Interior as empresas de abate de animais e construção civil que mais precisam de mão de obra; e, lá, eles não são “invisíveis” como na Capital.

Os haitianos, dominicanos, senegaleses, ganeses, gambianos e bengaleses (habitantes de Bangladesh) e indianos que vieram para cá são de uma certa classe média urbana. Muitos têm Ensino Médio, Superior incompleto ou mesmo completo. Mulheres, como a senegalesa Adama Sall , 35 anos, funcionária do frigorífico Aurora, de Erechim.

Parte significativa é poliglota. No caso do Haiti, há pesquisadores que já classificam o fenômeno como uma “fuga de cérebros” do país. Nesse ponto, se diferenciam dos alemães e italianos vindos no século 19, na maioria agricultores com baixa instrução. Somente em grupos mais recentes vieram haitianos de menor escolaridade e mais pobres, ligados ao êxodo rural.

— As imigrações do século 19 foram fomentadas pelos governos. Havia uma política de trazer esses europeus para cumprir três objetivos básicos: povoar o Sul do Brasil, produzir alimentos em pequenas propriedades de terra e, em menor escala, promover um branqueamento da população em função da escravidão — diz o historiador René Gertz, professor da PUCRS.

A maioria dos novos imigrantes vem por conta própria, ingressando de forma ilegal. Depois fazem o pedido de refúgio, instrumento legal para um estrangeiro permanecer no Brasil, alegando perseguições políticas (caso de Bangladesh e de Gâmbia) ou questões
humanitárias (caso do Haiti, empobrecido mesmo antes do terremoto que o devastou, em janeiro de 2010). Mas o maior motivo das migrações é econômico, sobretudo em relação a Gana, Senegal e República Dominicana: seus habitantes querem é fugir da falta de trabalho e de dinheiro.

Após a solicitação, o migrante ganha direito de tirar a carteira de trabalho e, assim, ficar temporariamente no país. Em 2013, o número de pedidos quadruplicou, de 4,2 mil para 17,9 mil.

— Eu não chamaria isso de nova onda migratória. Onda pressupõe que, em algum momento, vai acabar. Diria que é um fluxo migratório que passa a incluir o Brasil – pontua Gabriela Mezzanotti, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Unisinos.

— Esses fluxos sempre aconteceram, mas o Brasil era exportador, e não destino. Os brasileiros iam aos EUA. Agora estamos fazendo parte desses países que têm algo a oferecer aos migrantes.

zh.doc: quem são os novos imigrantes do Rio Grande do Sul

Enquanto América do Norte e Europa, premiadas por altas taxas de desemprego, fecham suas fronteiras, o Brasil vem se tornando referência internacional na acolhida. Não existe um programa oficial de incentivo do governo, mas a permanência é facilitada porque o mercado tem interesse na mão de obra.

— Há uma flexibilização da justificativa para o refúgio — diz diz Mariana Dalana Corbellini, subcoordenadora do curso de Relações Internacionais da Universidade de Santa Cruz do Sul.

— O Brasil considera um dever estabelecer cooperação em termos diplomáticos, fazendo intercâmbio com países em desenvolvimento. São brasileiras algumas das grandes construtoras que atuam na África e América Central, por exemplo. No caso haitiano, o Brasil envia milhares de vacinas ao ano pela Fundação Oswaldo Cruz, oferece cursos pelo Senai e Senac e é líder da Missão de Paz da ONU naquele território, o que lhe confere ainda mais responsabilidade frente aos cidadãos.

Ao mesmo tempo em que dá atenção especial a investimentos no Caribe e na África, o Brasil, com a força de sua indústria, acaba se tornando atrativo para os estrangeiros. O pesquisador Zamberlam exemplifica:

— Hoje, o Brasil é o maior exportador de frango para o mundo muçulmano, com 1,8 bilhão de habitantes atendidos por 300 empresas, a maioria delas da Região Sul. E os muçulmanos só admitem receber o produto se o abate for dentro do rito halal (nos preceitos da religião). Isso contribuiu para que milhares de africanos viessem trabalhar aqui.

Por vezes, as próprias empresas atraem a mão de obra estrangeira. A operação costuma se dar dentro da legalidade. Os refugiados têm carteira assinada e recebem as mesmas remunerações e benefícios dos brasileiros. Mas existem relatos de exploração. Alguns precisam quitar as dívidas contraídas com a viagem, o que os expõem a uma condição de fragilidade e análoga à escravidão: servidão por dívida, jornadas exaustivas, trabalho forçado e meios degradantes.

Em junho de 2013, em Cuiabá (MT), fiscais do Ministério Público do Trabalho (MPT)encontraram, em obras do programa Minha Casa Minha Vida, 21 haitianos alojados em situação precária. Em novembro do mesmo ano, em uma mineradora de Conceição do Mato Dentro (MG), havia, segundo definição do MPT, 100 haitianos “abrigados em local
similar a uma senzala”.

A primeira coisa que os estrangeiros fazem, após conseguir serviço, é mandar dinheiro aos que ficaram no seu país. É por isso que as remessas dos imigrantes superam as exportações haitianas, informa Letícia Mamed, doutoranda em Sociologia pela Universidade
Estadual de Campinas e professora da Universidade Federal do Acre, que integra um grupo de estudo de migrações. Mais de um terço da população adulta do Haiti recebe repasses monetários regulares de parentes radicados no Exterior. Foram US$ 1,5 bilhão em 2010 e US$ 2,1 bilhões em 2011.

A escassez de força de trabalho nas indústrias do interior gaúcho foi determinante para que empresários buscassem migrantes. Sem eles, as linhas de produção corriam o risco de parar, efeito do desinteresse da população local – focada em melhores empregos – em desempenhar atividades pesadas e menos rentáveis.

— Enfrentávamos uma carência enorme de mão de obra. Ficamos sabendo que a Massas Romena (em Gravataí) havia contratado haitianos. Fomos até Brasileia (no Acre) e trouxemos 50 haitianos em outubro de 2012 — conta Sandra Simonis Lucca, supervisora
de Pessoal da Dália Alimentos, em Encantado.

— Em fevereiro de 2013, voltamos a Brasileia e trouxemos mais 75 haitianos e alguns dominicanos. A partir daí, eles começaram a fazer contatos com outros compatriotas, que foram se candidatando a vagas de emprego. Atualmente, a empresa conta com 321 estrangeiros no frigorífico de Encantado — 30% do total de funcionários.

Após a chegada de milhares de estrangeiros, as vagas de emprego no interior diminuíram. O indiano Prem Abhilash Kapil, 55 anos, sentiu na pele o efeito. Ele veio ao Brasil por indicação de amigos, mas passou cinco meses desempregado. Depois de muita insistência, há pouco mais de 30 dias foi admitido em uma obra da construtora Zagonel, em Lajeado, onde vive em uma casa com outros três compatriotas. Está mais aliviado.

— O Brasil é bom para ganhar dinheiro. Estou feliz, meu único problema é a língua — diz Kapil, que tenta, muitas vezes em vão, se comunicar em inglês com a população do Vale do Taquari.

Com a desaceleração da indústria, a expectativa dos setores produtivos é de que, em breve, os estrangeiros estarão trabalhado nas colheitas da maçã, do fumo e da uva. São setores em que a mão de obra também é escassa. Sem as alternativas de colocação no emprego, o risco é criar uma disputa entre brasileiros e imigrantes, o que já mostrou efeitos nefastos em outros países, como as escaladas de xenofobia na Europa.

A nova migração é um movimento recente, mas suficientemente forte para causar modificações econômicas, étnicas e culturais no interior gaúcho. Em Encantado, os 400 estrangeiros representam cerca de 2% dos 20 mil habitantes locais. O município já comemora, em maio, o Dia da Bandeira Haitiana.



SENEGALESES REZAM A MAOMÉ EM FÁBRICA DE MÓVEIS

O ritual se repete cinco vezes ao dia na fábrica de móveis Saccaro, em Caxias. Um por vez, os senegaleses se dirigem ao banheiro e começam a lavar mãos e pés, nas pias. É a purificação antes do encontro com os ensinamentos do Profeta, como chamam Maomé. Então, em fila, se ajoelham sobre um tapete verde (que eles chamam de “a July”) ornamentado com a figura de uma mesquita e começam a rezar. Baixinho, em wolof, principal idioma dos países da África Ocidental.

— Alahu Akbar (Alá seja Louvado) — recitam, misturando o árabe ao dialeto senegalês.

Os murmúrios vão crescendo, deixando escorrer entre os dedos as contas da masbaha, equivalente muçulmano a um rosário católico. Pedem perdão pelos pecados, sob olhar curioso — e respeitoso — dos colegas brasileiros.

Mesmo os não fundamentalistas rezam cinco vezes ao dia. E respeitam o Ramadã, mês no qual só podem se alimentar à noite. No primeiro dia de agosto, quebraram o jejum com um farto “Almoço da Família”: carne de gado com batata e arroz, tudo apimentado.

Tirando a falta que sentem da família, os senegaleses são só elogios ao Brasil. Há recíproca.

— Eles têm muita facilidade para o trabalho, são honestos, disciplinados e não reclamam. Aprendem rápido, inclusive o idioma — diz a gerente de Relações Humanas da Saccaro, Ana Paula De Zorzi Caon.

São 15 na fábrica, todos homens: dois costureiros, um contador, um pintor e os demais,
marceneiros. Yakhia Ba, o líder, costuma usar vestes tribais ou o fez (gorro muçulmano). Alguns faziam, no Senegal, faculdade na área de exatas, mas agora têm de lutar para sobreviver. Ganham bem, para o padrão africano.

Modu Kurabu era comerciante em Dakar, com os pais. Nunca vendia o suficiente para sustentar mulher e dois filhos. Agora recebe R$ 1,3 mil, gasta R$ 500 e manda o resto para
casa. Vários nem conhecem os filhos: as mulheres estavam grávidas quando eles migraram
para o Brasil. Matam saudade via skype: todos têm computadores conectados à África.


Wakhou está há um ano e meio trabalhando na Saccaro
FOTO: DIEGO VARA

CARIBENHOS SÃO PROTEGIDOS POR IGREJA

Passaram-se quase 150 anos, mas a história, ainda que com distinções e peculiaridades, se repete. Em 1882, chegaram a Encantado, distante 149 quilômetros de Porto Alegre, os primeiros imigrantes italianos. Os descendentes desses viajantes formaram famílias, se
espalharam pelo território e, hoje, são absoluta maioria na cidade, com domínio sobre a cultura, a política e a economia.

A primeira criança gerada pelos italianos em Encantado foi Maria Bratti. Já falecida, ela é avó de Ivonete Teixeira, 61 anos, que hoje dedica sua vida ao Centro de Evangelização João Batista Scalabrini, ligado à Paróquia São Pedro, responsável por acolher as centenas de haitianos, dominicanos e senegaleses que desembarcaram na cidade nos últimos três anos, com frio, sem emprego ou lugar para dormir.

No vácuo do Estado, a Igreja assumiu a vanguarda solidária. A história da congregação scalabriniana, assim como a da família de Ivonete, traça um paralelo entre passado e presente. Era 1887 quando o padre italiano João Batista Scalabrini, preocupado com os viajantes do país que partiam rumo a outras regiões do mundo sem dinheiro, emprego e teto, além do desconhecimento da língua local, resolveu fundar a congregação com o objetivo de prestar caridade aos imigrantes.

No linguajar religioso, esse é o “carisma” da entidade. A congregação chegou a Encantado em abril de 1896, com a inauguração da Paróquia São Pedro, a primeira igreja scalabriniana do Rio Grande do Sul. E até hoje permanece atuante no município, sendo a única de Encantado. Depois de amparar os italianos, os scalabrinianos atravessaram mais
de cem anos de espera para acolher os imigrantes negros da África e da América Central. Um paralelo histórico que suscita temas como o racismo e a xenofobia.

— No início, tínhamos preocupação com a receptividade porque o italiano, em geral, é racista. Mas quase não tivemos problemas. Usamos o histórico a nosso favor. Dissemos que somos uma comunidade que nasceu da imigração. Por isso, entendemos que o mais justo
era receber bem esses novos imigrantes — conta Ivonete, voluntária scalabriniana.


Ivonete virou “mãe” dos imigrantes, a quem defendeu de discursos xenófobos
FOTO: DIEGO VARA

GANESES ACAMPAM EM SEMINÁRIO

Para quem ficou dormindo em banco duro de rodoviária, atordoado pelo ruído dos veículos, passando frio e fome, o seminário Nossa Senhora Aparecida, em Caxias do Sul, lembra um paraíso. O prédio em pedra, envolto por flores e pomares, abrigava até 10 dias atrás 90 ganeses que migraram para o Sul durante a Copa do Mundo, sem passagem de volta nem ingresso para os jogos. São parte de uma leva de 380 que escolheu a Serra gaúcha como ponto de partida na busca de emprego.

Permaneceram no Brasil 1.132 ganeses dos 2.529 que vieram com visto de turista para a Copa. Os primeiros conseguiram emprego rápido. Os retardatários aguardam ofertas. A rede de solidariedade católica garantiu a eles hospedagem em Caxias, comida e busca por colocação no mercado de trabalho. Daqueles 90, uns 20 são cristãos e os demais, muçulmanos. Passavam o dia atormentados pelo frio serrano, usando blusões recém-doados pelos fiéis da paróquia, sequiosos pelos raios de sol que iluminam o pátio interno do seminário. Lavavam as próprias roupas, cozinhavam basicamente, frango com arroz, muito condimentado — e comiam bergamotas nos intervalos. Dormiam junto ao refeitório, em colchões.

— São tão honestos e tímidos que tenho de insistir para que peguem frutas no pomar, façam
suco. Delimitamos um perímetro para usarem e eles não ultrapassam. E vêm com uma habilidade a mais em relação aos brasileiros: falam o idioma inglês — descreveu o administrador do seminário, padre Edmundo Marcon.

Em cadeiras dispostas em círculos ao ar livre, os ganeses recebiam lições de português de duas voluntárias, a estudante de Relações Internacionais Juliana Camelo e a publicitária Márcia Pessoa. As duas aproveitaram para praticar o inglês com os africanos.

— Também tomei conhecimento da culinária e da música deles. Muito legal, quero um intercâmbio para conhecer o país deles — entusiasmou-se Juliana.

Há semanas, emissários do frigorífico Nicolini, de Nova Araçá, vieram buscar 30 ganeses no seminário e perguntaram como fariam para levar os pertences dos migrantes. De imediato, todos embrulharam as roupas em sacolas e estavam prontos: possuem apenas algumas roupas, celulares e nada mais.

Mustafah Ibraim é um deles. Ex-jogador de futebol, sofreu um acidente de carro e ficou impossibilitado de jogar. Passou fome na procura por emprego em Gana. Decidiu migrar. Com ajuda dos pais, juntou dinheiro, voou até o Marrocos e veio parar em Caxias, viajando de cidade em cidade, acampando. Não tem dúvidas de que o Brasil “é o melhor país do mundo”.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Imigração no Brasil


Imigração no Brasil


A marca da imigração no Brasil pode ser percebida especialmente na cultura e na economia das duas mais ricas regiões brasileiras: Sudeste e Sul.
A colonização foi o objetivo inicial da imigração no Brasil, visando ao povoamento e à exploração da terra por meio de atividades agrárias. A criação das colônias estimulou o trabalho rural. Deve-se aos imigrantes a implantação de novas e melhores técnicas agrícolas, como a rotação de culturas, assim como o hábito de consumir mais legumes e verduras. A influência cultural do imigrante também é notável.

História

A imigração teve início no Brasil a partir de 1530, quando começou a estabelecer-se um sistema relativamente organizado de ocupação e exploração da nova terra. A tendência acentuou-se a partir de 1534, quando o território foi dividido em capitanias hereditárias e se formaram núcleos sociais importantes em São Vicente e Pernambuco. Foi um movimento ao mesmo tempo colonizador e povoador, pois contribuiu para formar a população que se tornaria brasileira, sobretudo num processo de miscigenação que incorporou portugueses, negros e indígenas.

Imigração portuguesa

A criação do governo-geral em 1549 atraiu muitos portugueses para a Bahia. A partir de então, a migração tornou-se mais constante. O movimento de portugueses para o Brasil foi relativamente pequeno no século XVI, mas cresceu durante os cem anos seguintes e atingiu cifras expressivas no século XVIII. Embora o Brasil fosse, no período, um domínio de Portugal, esse processo tinha, na realidade, sentido de imigração.
A descoberta de minas de ouro e de diamantes em Minas Gerais foi o grande fator de atração migratória. Calcula-se que nos primeiros cinquenta anos do século XVIII entraram só em Minas, mais de 900.000 pessoas. No mesmo século, registra-se outro movimento migratório: o de açorianos para Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Amazônia, estados em que fundaram núcleos que mais tarde se tornaram cidades prósperas.

Os colonos, nos primeiros tempos, estabeleceram contato com uma população indígena em constante nomadismo. Os portugueses, embora possuidores de conhecimentos técnicos mais avançados, tiveram que aceitar numerosos valores indígenas indispensáveis à adaptação ao novo meio. O legado indígena tornou-se um elemento da formação do brasileiro. A nova cultura incorporou o banho de rio, o uso da mandioca na alimentação, cestos de fibras vegetais e um numeroso vocabulário nativo, principalmente tupi, associado às coisas da terra: na toponímia, nos vegetais e na fauna, por exemplo. As populações indígenas não participaram inteiramente, porém, do processo de agricultura sedentária implantado, pois seu padrão de economia envolvia a constante mudança de um lugar para outro. Daí haver o colono recorrido à mão de obra africana.

Elemento africano

Surgiu assim o terceiro grupo importante que participaria da formação da população brasileira: o negro africano. É impossível precisar o número de escravos trazidos durante o período do tráfico negreiro, do século XVI ao XIX, mas admite-se que foram de cinco a seis milhões. O negro africano contribuiu para o desenvolvimento populacional e econômico do Brasil e tornou-se, pela mestiçagem, parte inseparável de seu povo. Os africanos espalharam-se por todo o território brasileiro, em engenhos de açúcar, fazendas de criação, arraiais de mineração, sítios extrativos, plantações de algodão, fazendas de café e áreas urbanas. Sua presença projetou-se em toda a formação humana e cultural do Brasil com técnicas de trabalho, música e danças, práticas religiosas, alimentação e vestimentas.

Espanhóis, franceses, judeus

A entrada de estrangeiros no Brasil era proibida pela legislação portuguesa no período colonial, mas isso não impediu que chegassem espanhóis entre 1580 e 1640, quando as duas coroas estiveram unidas; judeus (originários, sobretudo da península ibérica), ingleses, franceses e holandeses. Esporadicamente, viajavam para o Brasil cientistas, missionários, navegantes e piratas ingleses, italianos ou alemães.

Imigração no século XIX

A imigração propriamente dita verificou-se a partir de 1808, vésperas da independência, quando instalou-se um permanente fluxo de europeus para o Brasil, que se acentuou com a fundação da colônia de Nova Friburgo, na província do Rio de Janeiro, em 1818, e a de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 1824. Dois mil suíços e mil alemães radicaram-se no Brasil nessa época, incentivados pela abertura dos portos às nações amigas. Outras tentativas de assentar irlandeses e alemães, especialmente no Nordeste, fracassaram completamente. Apesar de autorizada a concessão de terras a estrangeiros, o latifúndio impedia a implantação da pequena propriedade rural e a escravidão obstaculizava o trabalho livre assalariado.
Na caracterização do processo de imigração no Brasil encontram-se três períodos que correspondem respectivamente ao auge, ao declínio e à extinção da escravidão.

O primeiro período vai de 1808, quando era livre a importação de africanos, até 1850, quando decretou-se a proibição do tráfico. De 1850 a 1888, o segundo período é marcado por medidas progressivas de extinção da escravatura (Lei do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários, alforrias e, finalmente, a Lei Áurea), em decorrência do que as correntes migratórias passaram a se dirigir para o Brasil, sobretudo para as áreas onde era menos importante o braço escravo. O terceiro período, que durou até meados do século XX, começou em 1888, quando, extinta a escravidão, o trabalho livre ganhou expressão social e a imigração cresceu notavelmente, de preferência para o Sul, mas também em São Paulo, onde até então a lavoura cafeeira se baseava no trabalho escravo.
Após a abolição, em apenas dez anos (de 1890 a 1900) entraram no Brasil mais de 1,4 milhão de imigrantes, o dobro do número de entradas nos oitenta anos anteriores (1808-1888).

Acentua-se também a diversificação por nacionalidades das correntes migratórias, fato que já ocorria nos últimos anos do período anterior. No século XX, o fluxo migratório apresentou irregularidades, em decorrência de fatores externos -- as duas guerras mundiais, a recuperação europeia no pós-guerra, a crise nipônica -- e, igualmente, devido a fatores internos. No começo do século XX, por exemplo, assinalou-se em São Paulo uma saída de imigrantes, sobretudo italianos, para a Argentina. Na mesma época verifica-se o início da imigração nipônica, que alcançaria, em cinquenta anos, grande significação. No recenseamento de 1950, os japoneses constituíam a quarta colônia no Brasil em número de imigrantes, com 10,6% dos estrangeiros recenseados.

Distribuição do imigrante

Distinguem-se dois tipos de distribuição do imigrante no país, com efeitos nos processos de assimilação. Pode-se chamar o primeiro tipo de "concentração", em que os imigrantes se localizam em colônias, como no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Nesse caso, os imigrantes não mantêm contato, nos primeiros tempos, com os nacionais, mas a aproximação ocorre à medida que a colonização cresce e surge a necessidade de comercialização dos produtos da colônia. O segundo tipo, que se pode chamar de "dispersão", ocorreu nas fazendas de café de São Paulo e nas cidades, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo.

Nessas áreas, o imigrante, desde a chegada, mantinha-se em contato com a população nacional, o que facilitava sua assimilação.
Os principais grupos de imigrantes no Brasil são portugueses, italianos, espanhóis, alemães e japoneses, que representam mais de oitenta por cento do total. Até o fim do século XX, os portugueses aparecem como grupo dominante, com mais de trinta por cento, o que é natural, dada sua afinidade com a população brasileira. São os italianos, em seguida, o grupo que tem maior participação no processo migratório, com quase trinta por cento do total, concentrados, sobretudo no estado de São Paulo, onde se encontra a maior colônia italiana do país. Seguem-se os espanhóis, com mais de dez por cento, os alemães, com mais de cinco, e os japoneses, com quase cinco por cento do total de imigrantes.

Contribuição do imigrante

No processo de urbanização, assinala-se a contribuição do imigrante, ora com a transformação de antigos núcleos em cidades (São Leopoldo, Novo Hamburgo, Caxias, Farroupilha, Itajaí, Brusque, Joinville, Santa Felicidade etc.), ora com sua presença em atividades urbanas de comércio ou de serviços, com a venda ambulante, nas ruas, como se deu em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Outras colônias fundadas em vários pontos do Brasil ao longo do século XIX se transformaram em importantes centros urbanos. É o caso de Holambra SP, criada pelos holandeses; de Blumenau SC, estabelecida por imigrantes alemães liderados pelo médico Hermann Blumenau; e de Americana SP, originalmente formada por confederados emigrados do sul dos Estados Unidos em consequência da guerra de secessão. Imigrantes alemães se radicaram também em Minas Gerais, nos atuais municípios de Teófilo Otoni e Juiz de Fora, e no Espírito Santo, onde hoje é o município de Santa Teresa.
Em todas as colônias, ressalta igualmente o papel desempenhado pelo imigrante como introdutor de técnicas e atividades que se difundiram em torno das colônias. Ao imigrante devem-se ainda outras contribuições em diferentes setores da atividade brasileira.

Uma das mais significativas apresenta-se no processo de industrialização dos estados da região Sul do país, onde o artesanato rural nas colônias cresceu até transformar-se em pequena ou média indústria. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, imigrantes enriquecidos contribuíram com a aplicação de capitais nos setores produtivos.
A contribuição dos portugueses merece destaque especial, pois sua presença constante assegurou a continuidade de valores que foram básicos na formação da cultura brasileira.

Os franceses influíram nas artes, literatura, educação e nos hábitos sociais, além dos jogos hoje incorporados à lúdica infantil. Especialmente em São Paulo, é grande a influência dos italianos na arquitetura. A eles também se deve uma pronunciada influência na culinária e nos costumes, estes traduzidos por uma herança na área religiosa, musical e recreativa.
Os alemães contribuíram na indústria com várias atividades e, na agricultura, trouxeram o cultivo do centeio e da alfafa. Os japoneses trouxeram a soja, bem como a cultura e o uso de legumes e verduras. Os libaneses e outros árabes divulgaram no Brasil sua rica culinária.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

EUA destacam cooperação com o Brasil na luta contra imigração ilegal


EUA destacam cooperação com o Brasil na luta contra imigração ilegal

São Paulo, 23 set (EFE).- Os Estados Unidos destacaram nesta terça-feira o papel fundamental da cooperação com o Brasil e demais países da região na luta contra entrada ilegal de imigrantes, especialmente africanos, que usam o território brasileiro como ponte para furar a fronteira americana.

O trabalho de parceiras entre países latino-americanos, especialmente do Brasil e dos EUA, foi abordado hoje por representantes dos dois governos durante um seminário realizado em São Paulo.

A investigadora do Departamento de Segurança Interna dos EUA, Cheryl Bassett, destacou as fragilidades nas fronteiras de todos os países e a importância de compartilhar informação em nível transnacional.

'Não há outra forma de combater os crimes internacionais se não conversando com nossos companheiros', defendeu Bassett durante a participação no evento organizado pelo Consulado dos Estados Unidos na capital paulista e o governo de São Paulo.

A comunicação direta entre as autoridades brasileiras e americanas foi fundamental para desarticular em 2009, em São Paulo, uma organização internacional que cobrava para enviar imigrantes ilegais da África aos Estados Unidos com documentos falsos, mostrou um dos casos apresentados pelos participantes.

O estado de São Paulo servia de ponte entre o continente africano e os EUA devido à ampla variedade de rotas terrestres e áreas em torno do Aeroporto Internacional de Guarulhos, o maior da América do Sul, segundo a Polícia Federal.

Depois de chegarem à capital paulista, os imigrantes passavam por um árduo percurso por diversos países da América Latina até alcançarem a fronteira entre o México e os EUA.

Para evitar casos similares, o governo de São Paulo e o consulado americano assinaram no ano passado um convênio para reforçar a cooperação direta.

'Estamos trabalhando com a polícia e o governo federal, reforçando nossos acordos. Temos boas relações com o governo brasileiro e podemos continuar assim', afirmou a agente federal dos EUA Kareem Hernández. EFE

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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

A chegada dos imigrantes no Brasil : 120 anos depois



A CHEGADA DOS IMIGRANTES NO BRASIL: 120 ANOS DEPOISPor Almanaque Urupês em setembro 20, 2013@almanaqueurupes





Por Elaine Rocha

Quando aprendemos sobre a história do Brasil na escola, o capítulo que trata da chegada dos imigrantes é sempre um tanto festivo. Desde as primeiras séries primárias professores e alunos animam-se ao falar da chegada dos estrangeiros ao Brasil, em especial dos italianos, espanhóis e portugueses, mas também dos alemães, japoneses, sírio-libaneses e outros grupos menores. Em escolas ou turmas mais animadas pode-se ter verdadeiras comemorações, com decoração especial, trajes típicos, comidas tradicionais, às vezes visitantes, música e grupos de dança. A escola vira uma festa! E não apenas a escola mas cidades brasileiras dedicam dias especiais para festejar os imigrantes, com festas que atraem turistas e prolongam-se por dias.

Dá até vontade – naqueles que são 100% brasileiros – de encontrar um antepassado longínquo que a gente pudesse situar em algum canto da Europa para poder celebrá-los também. Me lembro que, aos dez anos de idade, no que naquela época era o quarto ano do Grupo, a professora quis saber quem da turma era descendente de estrangeiros e várias mãos se ergueram ao mesmo tempo em que diziam em voz alta: meu avô era italiano, minha avó veio de Portugal… E a professora ia escrevendo aqueles sobrenomes com dois “t”s ou dois “l”s na lousa. Eu queria dizer uma coisa também, naquela época não conhecia ainda a história do pai do meu bisavô, um escravo que era exímio vaqueiro lá pras bandas do Piauí, mas mesmo que soubesse, não tenho ainda hoje a menor ideia se ele havia chegado de algum lugar da África ou se era filho ou neto de africanos. Então eu levantei a mão e disse algo que ouvia de vez em quando lá em casa: “a avó da minha avó era índia!” (Já dizia Lima Barreto que brasileiro quando quer adicionar alguma nobreza ao seu pobre e irrelevante passado arranja logo uma avó índia). Bem, a minha estratégia não funcionou: tomei uma bronca da professora que me disse pra prestar atenção na aula, que índio não é estrangeiro, e ainda ouvi as risadas dos colegas. Ah, as humilhações dos bancos de escola!


Chegada dos Imigrantes Italianos no Brasil

Os meios de comunicação também contribuem para a heroicização do imigrante: vejam quantas novelas já apresentaram o tema na televisão, e os filmes no cinema. Às vezes algum programa de rádio, muitas canções, e hoje em dia muitos e muitos websites e blogs dedicam-se à saga dos imigrantes no Brasil. Na história de São Paulo, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX, eles são figuras centrais, como os trabalhadores que vieram substituir o trabalhador negro escravizado. Na capital paulista são celebrados como aqueles que “construíram” a maior cidade do Brasil. E o que aconteceu aos milhares de negros que trabalharam na cafeicultura? Desapareceram subitamente dos livros de história logo depois a abolição.

Este é um grande exemplo da força das ideologias. A ideologia do branqueamento, ainda que baseada em teorias bio-genéticas sem fundamento científico sério, é uma ideologia vencedora, porque se não conseguiu branquear o país, pelo menos branqueou a história do Brasil. E nem as últimas três décadas de estudos sobre os negros no Brasil durante e após a abolição, mostrando os negros ainda nos cafezais do sudeste até a grande crise do café, em 1929, trabalhando lado a lado do estrangeiro, e ensinando-lhes o trabalho, continua a ser ignorado nos currículos das escolas e na maioria dos meios de comunicação (exceção feita para uma novela da Globo que explorou – limitadamente – o tema na cidade do Rio de Janeiro). Quanto à urbanização de São Paulo, o trabalho da construção civil e todos os outros trabalhos de infra-estrutura e mesmo na história do comércio, no setor de serviços e na indústria nascente, os negros são invisíveis. A expressão: “São Paulo foi construída pelos imigrantes” é muito popular, ainda que fotografias antigas mostrem negros e mulatos trabalhando na construção do Viaduto do Chá, por exemplo, ao lado de trabalhadores brancos (estrangeiros?).


Chegada dos imigrantes Japoneses no Brasil, mais de um seculo atrás.

Nos últimos anos, o crescimento econômico brasileiro tem recrutado mão de obra estrageira qualificada em outros países e novamente damos as boas vindas a imigrantes vindos dos Estados Unidos, de Portugal, da Espanha. Muitas vezes recrutados diretamente pelas empresas interessadas em seu trabalho, com benefícios que colocam seus ganhos acima dos brasileiros. A história se repete?

Mais ou menos, porque este tipo de imigrante causa pouco alarde e não tem sido destaque nos noticiários. Agora, a polêmica da imigração volta mesmo à baila é na questão do imigrante indesejado: chineses entrando silenciosamente nas capitais e nas cidades do interior, abrindo seus restaurantes apesar das reclamações dos vizinhos de que não respeitam as normas sanitárias e de higiene, os bolivianos chegando em levas na cidade de São Paulo, que também tem recebido muitos argentinos, mas desses a gente gosta, até achamos bonitos. E o mais perigoso: os imigrantes negros.

No passado havia lei proibindo a entrada de certos imigrantes, em especial dos negros, e havia mecanismos para barrar essa imigração. Mas hoje estamos em pleno século XXI e se os brasileiros sempre se gabaram de não serem racistas, agora então temos as cotas, as ações afirmativas, temos um Joaquim Barbosa, amamos o Obama. Entretanto, o imigrante negro ainda nos assusta, porque não é o que esperávamos enquanto trabalhador estrangeiro e neste momento o Brasil percebe que nem de longe conseguiu superar os preconceitos alimentados contra o trabalhador negro e indígena desde os tempos da colonização e da nossa fé no eugenismo.


Fonte: oglobo.globo.com/infograficos/caminho-ate-brasil/

Imigrantes negros têm chegados ao país na última década, vindos de países africanos como Angola, Nigéria, Senegal, Moçambique e ultimamente em grande número do Haiti. Enquanto os africanos entram diretamente nos aeroportos de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, os haitianos – mais pobres – seguem uma rota parecida com a dos bolivianos, entram pelas fronteiras do oeste, em especial cruzam do Peru para o estado do Acre, onde ficam por tempos em pequenas cidades como Brasiléia, na fronteira do Brasil com a Bolívia, muito próxima também do Peru.


Haitianos no Hotel Brasiléia, no Estado do Acre. Foto: Marcello Casal Jr/ABr

Nesta cidade, que em 2010 contava com pouco mais de 20 mil habitantes, imigrantes negros haitianos chegam a cada dia. Como no passado, alguns têm qualificações profissionais, muitos não as têm, alguns têm documentos e buscam trabalho especializado, outros não têm nada, deixaram documentos e dinheiro nas mãos dos chamados “coiotes” e tentam apenas encontrar um lugar para sobreviver. A cidade, a região e o estado entram em estado de alerta, transformado já em “estado de emergência” pelo governador acreano. Entre os receios infundados: Eles vêm todos contaminados com AIDS! Isso vai aumentar a criminalidade na região! O tráfico de drogas vai ficar mais intenso! Vão praticar o Vudu… Entre os receios com fundamento: a cidade não possui estrutura para abrigar os imigrantes que chegam a cada dia; o sistema de saúde da região é precário e muitos estão chegando doentes; não há empregos na região para toda essa gente.


Haitianos no Hotel Brasileia. Joel Silva/Folhapress

Os meios de comunicação, falhos na pesquisa histórica esquecem-se de quanto imigrantes europeus chegaram ao Brasil a cerca de 100 anos atrás trazendo consigo a tuberculose, as gripes e outras doenças que causaram epidemias. E quantos deles eram analfabetos ou semi-analfabetos, quantos não possuíam qualificação profissional além do instinto de sobrevivência?

Os problemas no norte se acumulam: prefeituras da região amazônica se recusam a aceitar imigrantes haitianos, o governo brasileiro tem limitado o número de vistos e permissão para trabalho, alguns poucos conseguem ser recrutados por empresas, e a maioria sonha em chegar até São Paulo, a meca do desenvolvimento. Os paulistas, que já têm que lidar com os bolivianos – outro grupo de imigrantes considerados como de quinta categoria: pobres, pouco qualificados e com feições de índios – arrepiam-se só em pensar.
Veja matéria de O Globo sobre os imigrantes haitianos no Acre










Parte dos argumentos são corretos: o Brasil ainda enfrenta sérios problemas sociais, sérios problemas de infra-estrutura, grande parte da população não tem acesso a serviços essenciais como água e esgoto, a questão da saúde pública é outra crise que também se insere na questão imigratória: vamos aceitar os médicos imigrantes sem exigir a devida qualificação local, que todos os países requerem e que está diretamente ligada ao bom atendimento – falar a língua local, por exemplo, e saber o equivalente local para a medicina necessária e mesmo as nossas mazelas – sem melhorar a estrutura hospitalar e de diagnósticos? Ah, mas eles são médicos, e a maioria tem a pele clara, a gente deveria aceitar.


Imigrantes Haitianos empregados em Manaus

A questão humanitária se impõe como maior prerrogativa para alguns, que argumentam que o país não deve fechar as portas aos pobres; outros argumentam em favor de trabalhar na qualificação dos trabalhadores nacionais, com melhores escolas e melhores professores com melhores salários, por exemplo. Este argumento é um outro que já completou 100 anos, e do qual Lima Barreto era um defensor. Ele era um dos que dizia que a solução para o Brasil era investir na sua própria gente, ao invés de trazer estrangeiros. Investindo nos brasileiros – segundo ele e outros de sua época – combateríamos a marginalidade e a pobreza resultantes do desemprego e do subemprego.


Imigrantes haitianos cruzando ponte entre Acre e Peru

O fato é que o Brasil não pode acomodar toda a população carente do Haiti, ou da Bolívia, ou de Angola, por exemplo. E precisa, urgentemente, atacar os problemas internos do país se quiser criar uma economia forte com uma sociedade equivalente e uma distribuição de renda menos desigual. Ainda assim, devemos pensar bem antes de atacar o imigrante que não vem da Europa ou dos Estados Unidos, ou melhor: que não é branco, com cabelos e olhos claros.

Preconceitos à parte, o imigrante negro e o elemento indígena têm construído este país há mais de 500 anos, a maior parte deste tempo contra a sua própria vontade, levado de um lugar para o outro, mal pago, mal alimentado e mal educado. A política imigrantista deve ser discutida amplamente e votada, independentemente de cor ou classe. Afinal, a nossa Justiça é ou não é cega?