domingo, 27 de junho de 2021

As mudanças na Lei abriram as portas para que mais netos e netas possam solicitar a nacionalidade portuguesa 🙂





Nacionalidade portuguesa para netos


As recentes mudanças à Lei de Nacionalidade (Lei nº 37/81) abriram as portas para que mais pessoas possam solicitar a nacinalidade. Se você é neto ou neta de português e deseja conquistar o passaporte da União Europeia, responda este formulário. Através dele iremos ajudá-lo nessa conquista!

- Não há custos associados ao preenchimento deste formulário.
- É importante que o neto ou neta do português originário esteja vivo.
- Daremos resposta no prazo de 30 dias. É importante ficar atento à caixa de SPAM do seu email.
- Os seus dados estão seguros. Você pode acessar a nossa política de privacidade aqui.

A Martins Castro possui ampla experiência em processos de nacionalidade portuguesa. Com sede em Lisboa e formada por advogados e consultores (genealogistas altamente qualificados) já auxiliamos dezenas de clientes brasileiros na conquista da dupla nacionalidade.

Para saber mais sobre este tipo de cidadania portuguesa, acesse o nosso site.
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quinta-feira, 24 de junho de 2021

Governo restringe entrada de estrangeiros no Brasil para evitar novas variantes


Portaria proíbe voos internacionais com destino/origem ou trânsito pela Irlanda do Norte, Índia, Reino Unido e África do Sul
Por AGÊNCIA BRASIL
24/06/21 - 11h07



Estrangeiros deverão seguir algumas regras para entrar em território nacional

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil


Portaria interministerial publicada no Diário Oficial da União de nesta quinta-feira (24) restringe, em caráter temporário e excepcional, a entrada de estrangeiros no país, conforme recomendação feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Veja o documento completo. O objetivo é impedir a entrada de pessoas contaminadas por variantes do novo coronavírus.

No final de maio, a Anvisa enviou aos ministérios que assinam a portaria (Casa Civil, Justiça e Saúde) algumas sugestões de regulamentação de medidas de contenção da entrada de novas variantes do novo coronavírus. Entre as sugestões estava a de suspensão de algumas exceções previstas para a entrada de estrangeiros, em especial relativas ao ingresso de trabalhadores marítimos de embarcações e plataformas oriundos de países onde essas variantes estão circulando.

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Pela sugestão da Anvisa, os estrangeiros procedentes desses países ficariam impedidos de ingresso no Brasil, caso não cumprissem determinados protocolos e requisitos; e os brasileiros em viagem de retorno desses países precisariam necessariamente cumprir quarentena de 14 dias na cidade de desembarque.

Regras

Seguindo essas orientações, a Portaria nº 655, publicada nesta quinta-feira, além de restringir a entrada de estrangeiros de qualquer nacionalidade – por rodovias, outros meios terrestres ou por transporte aquaviário – proíbe, em caráter temporário, voos internacionais tanto com destino quanto com origem ou passagem pelo Reino Unido, a Irlanda do Norte, África do Sul e Índia.

A portaria, no entanto, apresenta diversas situações consideradas excepcionais, o que garante direito de ingresso no país de estrangeiros, desde que seguindo protocolos e requisitos migratórios como a apresentação de documentos comprobatórios de realização de teste de identificação da covid-19. Entre as situações em que haverá autorização para ingresso no país está a operação de voos de cargas, manipuladas por trabalhadores paramentados com equipamentos de proteção individual (EPIs) e demais requisitos e protocolos descritos no documento.

As restrições descritas pela portaria não serão aplicadas em casos de tráfego de residentes fronteiriços em cidades gêmeas, tráfego de transporte rodoviário de cargas e na execução de ações humanitárias e de assistência emergencial para acolhimento e regularização migratória.

A portaria acrescenta que as medidas não se aplicam a imigrante com residência de caráter definitivo, por prazo determinado ou indeterminado, no território brasileiro; profissional estrangeiro em missão a serviço de organismo internacional, desde que identificado; funcionário estrangeiro acreditado junto ao governo brasileiro; e estrangeiros em situações específicas como cônjuges, companheiros, filhos, pais ou curadores de brasileiro.

Também é autorizado o ingresso de pessoas com autorização do governo brasileiro, tendo em vista o interesse público ou questões humanitárias, e portadores de Registro Nacional Migratório. Por fim, a portaria apresenta penalidades previstas para aqueles que descumprirem as medidas. Entre as penalidades estão responsabilizações civil, administrativa e penal; repatriação; deportação; e inabilitação de pedido de refúgio.

sábado, 15 de maio de 2021

São vestígios humanos dos tempos em que Portugal se aventurou pelo mundo. Descubra 9 povos que desc endem dos portugueses.






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Devido ao nosso historial de navegação, existem atualmente diversos povos cuja origem é portuguesa. A maioria destas comunidades foram criadas por marinheiros portugueses que ficaram por terras estrangeiras e que, com o tempo e os casamentos entre pessoas da mesma comunidade, criaram povos cuja origem é indubitavelmente portuguesa. Fique a conhecer alguns destes povos:


1. Kristang, Malásia
Kristang, Malásia

O nome deste povo deriva de “cristão”, o que é mais um atestado da sua origem, já que esta é uma comunidade que deriva maioritariamente de cristãos portugueses que chegaram a Malaca, na Malásia, durante o século XVI. Esta comunidade tem inclusive uma língua própria, o papiá kristang, que ainda hoje é falado em Malaca.

Pode-se também encontrar falantes deste dialeto em locais como Singapura, Reino Unido e até Perth, na Austrália, já que este dialeto foi levado por emigrantes Kristang para essas regiões.

2. Portugueses no Suriname
Suriname

Durante o século XIX (mais concretamente na segunda metade de 1800), ocorreu a chegada dos primeiros portugueses ao território do Suriname. O destino destes portugueses era a Guiana, e pensa-se que eram maioritariamente madeirenses, que foram transacionados como escravos para a Guiana Inglesa.



Alguns relatos dizem que, no entanto, cerca de 500 madeirenses chegaram ao Suriname em 1853 e que, após a abolição da escravatura, alguns anos mais tarde, estes homens decidiram permanecer no Suriname enquanto homens livres.

Ainda hoje existem ecos destes madeirenses, que deram origem a um pequeno povo que ainda hoje tem apelidos como Gouveia, Miranda, Correia, Gonsalves e Texeira. O idioma crioulo Sranan Tongo tem também influência portuguesa, sendo ainda usado por algumas comunidades.

3. Mardicas, na Indonésia
Indonésia

Os Mardicas (ou, em holandês, Mardijkers) foram um povo cuja origem era portuguesa, já que descendiam de escravos dos portugueses (que, por sua vez, tinham também origem nacional). O nome Mardica originou-se a partir do sânscrito Mahardahika, termo usado para descrever escravos que foram libertados.


Durante anos, a comunidade Mardica, que era cristã, falou um crioulo de origem portuguesa, que acabou por influenciar a língua indonésia. Atualmente, os Mardicas já não existem, e a língua já não é utilizada. Sobrevivem, no entanto, alguns apelidos de origem portuguesa e algumas canções em crioulo.

4. Bayingyi, na Birmânia
Bayingyis

Este povo teve a sua origem em portugueses (especialmente mercenários) que chegaram à antiga Birmânia durante os séculos XVI e XVII. Os Bayingyi eram cristãos, ao contrário dos restantes povos da região, e tinham traços marcadamente europeus, como olhos e pele mais clara.

Bayingyi deriva da palavra árabe “fheringi”, termo usado para descrever qualquer pessoa de origem europeia. Nos dias de hoje, os Baryingyi ainda existem, embora os traços físicos distintivos não estejam tão presentes na comunidade como estavam antigamente. A cultura e a religião, no entanto, permanecem como pilares sólidos deste povo.

5. Comunidade Portuguesa em Aceh, Indonésia
Criança de Lamno, Indonésia

Numa cidade chamada Lamno, na Indonésia (região do Aceh), existe uma pequena comunidade descendente de portugueses, conhecida como os “mata biru” (que significa “olhos azuis”, já que uma característica distintiva de muitos membros desta comunidade são precisamente os olhos desta cor).

Hoje em dia, a comunidade é muito reduzida, já que o tsunami de 2004 devastou a região e reduziu a população mata biru a uma ou duas dezenas de pessoas. Esta comunidade, apesar de aceitar a sua ascendência portuguesa, converteu-se ao islamismo há muitos séculos.

6. Luso descendentes no Senegal
Ziguinchor

Na cidade de Ziguichor, no Senegal, existe uma comunidade de dezenas de milhares de pessoas com apelidos de origem portuguesa e que têm como língua um crioulo português, que derivou do crioulo da Guiné-Bissau. Existe até um Centro da Língua Portuguesa em Ziguichor, tendo até alguns serviços públicos adotado a nossa língua como língua oficial.

7. Burghers Portugueses, no Sri Lanka
Burghers

Hoje é conhecida como Sri Lanka, mas nos tempos dos descobrimentos era o Ceilão. Aqui, os portugueses deram origem a um povo chamado Burghers Portugueses (e que são assim chamados para se diferenciarem dos Burghers, de origem cingalesa e holandesa).

Falavam um crioulo de origem portuguesa que, infelizmente, é hoje apenas uma linguagem falada, que se concentra principalmente nas províncias de Batticaloa e Trincomalee. Existem ainda muitos apelidos portugueses, como Salgado, Fonseca, Silva e Pereira. Muita da população emigrou para o Canadá. Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.

8. Luso-indianos na Índia
Basílica do Bom Jesus (Goa)

Numa pequena vila indiana chamada Korlai, no distrito de Raigad, existe um crioulo (conhecido como Kristi) que ainda hoje é falado por cerca de mil pessoas. O nome deste dialeto deriva da palavra “Cristo”. Os falantes, no entanto, chamam-lhe “nou ling”, ou “a nossa língua”.

Nesta vila, existem ainda ruínas de um forte português, mas a maior prova da existência de um povo cuja origem é portuguesa é a própria língua, já que existem hoje poucos luso-descendentes.

9. Mardicas de Tugu, na Indonésia
Tugu

Voltando à Indonésia, podemos encontrar na vila de Tugu, na Ilha de Java, vestígios de um povo de origem portuguesa que em tempos era dominante aqui e do qual hoje apenas existem canções que usam o crioulo que por estes era falado.

Apesar de Portugal nunca ter colonizado esta região, os portugueses e seus descendentes (Mardicas) foram levados para esta zona como escravos dos holandeses, e acabaram por casar tanto entre eles próprios como com holandeses, criando uma comunidade que se manteve viva até há cerca de 40 anos atrás (altura em que o último falante deste crioulo faleceu). Hoje, apenas restam as influências na língua, nos costumes, na música e nos nomes.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Documentário brasileiro sobre a imigração italiana estreia na Netflix e vai ser exibido no festival de Trento

  
Imagem da cidade italiana de Rovereto, que aparece no documentário "Legado Italiano"(Foto Divulgação)

Por Jornalista Desiderio Peron
-31 de março de 2021 15:02


Acaba de estrear no catálogo da Netflix Brasil onde estará disponível já a partir de amanhã (01/04) o documentário “Legado Italiano”, de Márcia Monteiro, ambientado quase que integralmente na região da Serra Gaúcha. A obra que teve um um lançamento restrito nos cinemas por conta da pandemia, inclui tomadas na Itália e vai participar também o ‘Trento Film Festival’.

O documentário (O trailer pode ser assistido aqui) aborda os 145 anos da imigração italiana e os legados desse fenômeno para a cultura brasileira. “A religiosidade, a música, a gastronomia, a indústria, o dialeto talian e o vinho são alguns dos assuntos tratados no filme, a partir de entrevistas das famílias de descendentes dos imigrantes italianos no Brasil e entrevistas na Itália”, explicam os produtores.
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Segundo a diretora Marcia Monteiro, o ‘Trento Film Festival 2021’ é um dos mais tradicionais da Itália e acontecerá entre 30 de abril e 9 de maio. “Além da Serra Gaúcha, o porto de Gênova e as regiões do Trentino e do Vêneto são cenários do documentário. Agora a nossa expectativa é que o filme também seja distribuído na Itália”, comenta.

No ano passado, o longa, coproduzido pela Celeiro Produções, Globo Filmes e Globo News, também foi exibido no Most Festival Internacional de Cinema del Vi i el Cava, na Espanha. A produção é de Camisa Listrada com distribuição da Lança Filmes.

domingo, 21 de março de 2021

Como 23 judeus expulsos de Recife ajudaram a fundar Nova YorK


A bordo do navio Valk, cerca de 600 judeus deixaram Recife, em Pernambuco, expulsos pelos portugueses. Era o fim da ocupação holandesa no Brasil e também da liberdade de praticar sua religião.

Por BBC

18/03/2021 08h30 Atualizado há 3 dias



Mapa do Brasil mostra capitanias em 1630 — Foto: Biblioteca do Congresso dos EUA/BBC

Eles queriam voltar à terra natal — a Holanda, onde o culto do judaísmo era permitido devido ao calvinismo. De lá haviam chegado mais de duas décadas antes, quando os holandeses conquistaram parte do Nordeste brasileiro — de olho na produção e comércio do açúcar.

Mas uma tempestade desviou-os do caminho e o navio foi saqueado por piratas.

O grupo foi resgatado por uma fragata francesa e levado à Jamaica, então colônia espanhola, e acabou preso por causa da Inquisição espanhola.


Mas, graças à intervenção do governo holandês, foram libertados e, por motivos financeiros, parte deles seguiu para um destino mais próximo do que a Europa: a colônia holandesa de Nova Amsterdã, atual Nova York, então um mero entreposto comercial.


Vista de Mauritsstad (Recife) em 1645 — Foto: Wikicommons/BBC



Ali formaram a primeira comunidade judaica da América do Norte e contribuíram para o desenvolvimento da cidade. Atualmente, Nova York é a segunda cidade com o maior número de judeus no mundo, atrás apenas de Tel Aviv, em Israel.


Mas essa história rocambolesca não começa em 1654, ano em que Portugal derrotou os holandeses e retomou o controle do Nordeste, provocando, por consequência, a expulsão dos judeus, temerosos com a Inquisição.




Imigração judaica




Cerco holandês a Olinda e ao Recife — Foto: Wikicommons/BBC


A imigração judaica ao Brasil remonta à época do descobrimento, com os chamados "cristãos novos", judeus que foram obrigados a se converter ao cristianismo na Península Ibérica devido à perseguição pela Igreja Católica.


Na então maior colônia portuguesa, alguns deles abdicaram das práticas judaicas. Outros as mantinham às escondidas.


Livro de Daniela Levy foi resultado de 10 anos de pesquisas — Foto: Daniela Levy/BBC


Mas foi em fevereiro de 1630 com a ocupação holandesa que os judeus dos Países Baixos, alguns dos quais descendentes dos que haviam fugido da Península Ibérica rumo à Holanda, chegaram ao Brasil, diz à BBC News Brasil a historiadora Daniela Levy, autora do livro De Recife para Manhattan: Os judeus na formação de Nova York (Editora Planeta), que demandou 10 anos de pesquisa. Levy investigou inicialmente o tema para sua dissertação de mestrado, na Universidade de São Paulo (USP).


"Os judeus que vieram ao Brasil eram descendentes dos cristãos novos que se mudaram para a Holanda um século depois da conversão forçada pela Inquisição. Naquele país, eles puderam retornar ao judaísmo, recuperando tradições e reorganizando-se enquanto comunidade", explica Levy.


Muitos desses judeus holandeses integravam a Companhia das Índias Orientais, uma empresa de mercadores fundada em 1602 e cujo objetivo era acabar com o monopólio econômico da Espanha e de Portugal.


No Recife, eles foram abrigados por parentes aqui já estabelecidos, mas constituíram sua própria comunidade, na qual podiam, enfim, professar sua religião em paz, dedicando-se ao comércio, à botânica e à engenharia.


Construíram escolas, sinagogas e cemitério, dando sua contribuição ao enriquecimento da vida cultural da região.


Olinda, então cidade mais rica do Brasil Colônia, foi saqueada e destruída pelos holandeses, que escolheram Recife como a capital da Nova Holanda. O mapa de Nicolaes Visscher mostra o cerco a Olinda e Recife em 1630 — Foto: WIKICOMMONS/BBC


A primeira sinagoga das Américas, Kahal Zur Israel, foi fundada ali, ocupando um dos casarões da "Rua do Bom Jesus", então chamada de "Rua dos Judeus", e reinaugurada em 2002 após restauração.



As estimativas sobre o número de judeus no período holandês variam muito, entre 350 e 1.450. O número é expressivo considerando que cerca de 10 mil pessoas viviam na região.


Segundo Levy, a isso não só se deveu ao fato de que a Holanda era calvinista, permitindo a liberdade de de culto, mas também graças a Johan Maurits van Nassau-Siegen, ou Maurício de Nassau, militar que governou a colônia holandesa no Recife de 1637 a 1643.


"A Holanda era um país protestante e abriu suas portas para outras religiões quando se tornou independente da Espanha. Foi então quando os cristãos novos saíram de Portugal e foram para lá. Existiam alguns calvinistas que tinham animosidades contra os judeus, mas, de forma geral, a política holandesa era de tolerância religiosa", diz Levy.


Kahal Zur Israel foi primeira sinanoga das Américas — Foto: WIKICOMMONS/BBC


"Maurício de Nassau, um grande humanista, defendia a visão de que o bom convívio de grupos de diferentes religiões seria politicamente mais proveitoso, e também do ponto de vista econômico", acrescenta.


Com o intuito de transformar Recife na "capital das Américas", Nassau investiu em grandes reformas, tornando-a uma cidade cosmopolita. Apesar de benquisto, ele acabou acusado por improbidade administrativa e foi forçado a voltar à Europa em 1644.


Maurício de Nassau transformou Recife na cidade mais cosmopolita das Américas — Foto: WIKICOMMONS/BBC



Após o fim da administração Nassau, a Holanda passou a exigir a liquidação das dívidas dos senhores de engenho inadimplentes, o que levou à Insurreição Pernambucana e que culminaria, mais tarde, com a expulsão dos holandeses do Brasil, em 1654.


Na prática, mesmo depois de terem sido derrotados, os holandeses receberam dos portugueses 63 toneladas de ouro para devolver o Nordeste ao controle lusitano no século 17.


O pagamento envolvia dinheiro, cessões territoriais na Índia e o controle sobre o comércio do chamado Sal de Setúbal, segundo disse à BBC News Brasil em 2015 Evaldo Cabral de Mello, historiador e integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL).


O montante equivaleria a cerca de 500 milhões de libras esterlinas (R$ 4 bilhões) em valores atualizados, de acordo com Sam Williamson, que fez o cálculo na ocasião a pedido da reportagem. Williamsom é professor de economia da Universidade de Illinois, em Chicago, nos Estados Unidos, e cofundador do Measuring Worth, ferramenta interativa que permite comparar o poder de compra do dinheiro ao longo da história.


Os judeus que aqui haviam fincado raízes por aqui se viram sem alternativa. Receberam um ultimato do então governador da região, Francisco Barreto de Menezes: três meses.


Alguns deles fugiram o Sertão. Outros decidiram voltar à Holanda — dando início à epopeia que abre esta reportagem.


Cemitério antigo judeu em Nova York — Foto: Biblioteca do Congresso dos EUA/BBC



Após a intempérie com os piratas e a prisão na Jamaica, 23 deles, entre os quais famílias com crianças nascidas no Brasil, partiram rumo a Nova Amsterdã.


Registros populacionais da Prefeitura de Nova York mostram que eles chegaram em setembro de 1654, mas não foram "bem recebidos", conta Levy.


A então colônia holandesa era insignificante, quase deserta e governada por um calvinista fanático, Peter Stuyvesant, que impôs várias dificuldades aos recém-chegados.


"Stuyvesant não gostava de judeus. Ele não queria permitir a entrada deles. Mas a comunidade judaica da Holanda interferiu a favor deles e eles foram aceitos", diz Levy.


"O restante do grupo - que havia ficado preso na Jamaica - acabaria se juntando aos 23 posteriormente", acrescenta.


Monumento homenageia primeiros judeus a chegarem a Nova Amsterdã — Foto: Daniela Levy/BBC


A duras penas, os 23 judeus conseguiram sobreviver a partir do comércio, que logo cresceu, atraindo mais judeus para a cidade, que viria a mudar de nome (para Nova York) em 1664.


Depois da guerra de independência americana, seus descendentes alcançaram plena cidadania. Um deles, Benjamin Mendes (1745-1817) fundou a Bolsa de Nova York.


Na Grande Maçã, um monumento, chamado Jewish Pilgrim Fathers, rende homenagem aos Henrique, Lucena, Andrade, Costa, Gomes e Ferreira que ajudaram a fundar e desenvolver a cidade.


Recentemente, essa saga deu origem a um novo livro, Arrancados da Terra - Perseguidos pela Inquisição na Península Ibérica, do escritor e jornalista Lira Neto (Editora Companhia das Letras).



Placa homenageia primeiro cemitério judeu em Nova York — Foto: Daniela Levy/BBC


Após a ocupação holandesa, imigrantes judeus começaram a chegar ao Brasil em 1810, oriundos, em sua maioria, do Marrocos. Eles se estabeleceram principalmente em Belém, onde fundaram a segunda mais antiga sinagoga do Brasil, que continua ainda hoje em pleno funcionamento. Ali também construíram o primeiro cemitério israelita do país.


A partir de então, a imigração judaica se intensificou culminando com seu apogeu na primeira metade do século 20, após a 2ª Guerra Mundial. Além do Nordeste, Sul e Sudeste foram os principais destinos. Os imigrantes partiram, na maior parte, da Europa e de alguns países árabes.




Dia Nacional da Imigração Judaica




Batalhas dos Guararapes levaram ao fim do domínio holandês — Foto: WIKICOMMONS/BBC



Nesta quinta-feira, dia 18 de março, comemora-se o Dia Nacional da Imigração Judaica.


A data que celebra a contribuição do povo judeu na formação da cultura brasileira foi criada por um projeto de lei de autoria do então deputado federal Marcelo Itagiba (PSDB-RJ), e sancionado em 2009.


Para marcar a ocasião, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) vai promover uma "live" reunindo Itagiba e o ex-chanceler Celso Lafer, professor e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).


Palácio de Friburgo, construído Maurício de Nassau entre 1640 e 1642, foi demolido no século 18 — Foto: WIKICOMMONS/BBC


"O Brasil permitiu que imigrantes judeus reconstruíssem suas vidas com acolhimento e liberdade, e nossa comunidade, pequena, mas diligente, retribuiu com muito amor e trabalho. Aqui criamos nossas famílias, criamos empresas, desenvolvemos carreiras profissionais nas mais diversas áreas de atuação e conhecimento", diz Claudio Lottenberg, presidente da Conib.


"Por isso a comunidade judaica brasileira está tão bem integrada à comunidade maior de brasileiros, com diversidade e dedicação ao país generoso que acolheu nossos pais e avós", acrescenta.


Atualmente, o Brasil possui a segunda maior comunidade judaica da América Latina, com cerca de 120 mil cidadãos.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Como encontrar a lista de nomes de imigrantes italianos que vieram para o Brasil




Vista do movimento do porto de Imperia, Ligúria
Como encontrar o registro de imigrantes italianos no Brasil

O registro da entrada de imigrantes italianos no Brasil pode ser localizado, utilizando diferentes bancos de dados. Para obter o documento que comprove a nacionalidade de um antepassado estrangeiro, é necessário saber o porto de entrada, o nome do navio, a data de desembarque, o nome do estrangeiro, o número da página e da ordem onde se encontra o estrangeiro na lista. O Arquivo Nacional, com base nessas informações, emite gratuitamente a certidão de desembarque do imigrante. A solicitação pode ser feita de forma presencial ou a distância.

Como descobrir meus antepassados italianos

O usuário que deseja localizar informações sobre o seu antepassado italiano pode recorrer aos conjuntos documentais custodiados pelo Arquivo Nacional, que é detentor de milhares de documentos sobre estrangeiros no Brasil. O cidadão deve seguir o seguinte roteiro de pesquisa.

Em primeiro lugar, o usuário deve consultar na base de dados SIAN – Sistema de Informações do Arquivo Nacional, as listas de entradas de estrangeiros nos portos brasileiros. Nessa base podem ser encontradas listas dos seguintes portos e períodos:

Portos - Datas Limites

Aquidauana 1940
Belém 1939 - 1962
Barra de Quarai 1941
Corumbá 1940 - 1964
Esperança 1937 - 1951
Florianópolis 1939 - 1953
Foz do Iguaçu 1943
Guajará Mirim 1946 - 1954
Manaus 1938 - 1964
Paranaguá 1946 - 1956
Porto Esperança 1937 - 1951
Porto Murtinho 1941 - 1954
Quaraí 1940 - 1953
Recife 1920 - 1961*
Rio de Janeiro 1875 - 1964
Salvador 1939 - 1952
Santos 1891 e 1894-1982*
São Francisco do Sul 1928 - 1930
Uruguaiana 1939 - 1945

No SIAN, o usuário deve procurar pela documentação dos órgãos federais responsáveis pelo controle da entrada de estrangeiros no Brasil, que são os seguintes:


- Serviço de Polícia Marítima Aérea e de Fronteiras – código BS (para o Porto de Santos) e a Divisão de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras – código OL (para os demais portos). Nesse último, deve ser localizado o porto de chegada e verificar uma lista com os nomes dos navios, locais de partida e ano de chegada das embarcações.

Instruções para realizar a pesquisa:

1. Faça um cadastro e crie um login no site Gov.br

2. Após fazer um cadastro, você será direcionado para o site do SIAN . Clique no menu "Fundos/Coleções" na barra superior, e depois sobre "Pesquisa Multinível".

3. No campo "Código de referência", digite "OL" e clique em "Pesquisar".

4. Na primeira página da pesquisa, surgirá "BR RJANRIO OL - Divisão de Polícia Marítma, Aérea e de Fronteiras" para ser acessado.

5. Acesse "Relações de passageiros em vapores".

6. Acesse o porto que deseja pesquisar, como "Rio de Janeiro".

7. Na páginas que se abrem as relações de vapores estão em ordem cronológica crescente.Para saber mais, clique em "Ver detalhes"; para visualizar a listagem, clique em "Ver arquivo digital".



Panorama do Rio de Janeiro no qual se vê a igreja da Candelária, a Alfândega e os trapiches do porto. Litografia de Deroy sobre fotografia de Victor Frond. Charles Ribeyrolles e Victor Frond. Brazil pitoresco: história, descrições, viagens, instituições, colonização. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1859-1861. Fonte: Arquivo Nacional

Como encontrar a lista de nomes de imigrantes italianos que vieram para o Brasil


Uma segunda opção de pesquisa para encontrar informações sobre a chegada do imigrante italiano no Brasil é a plataforma digital Entrada de Estrangeiros no Brasil – Porto do Rio de Janeiro. A base de dados é composta por cerca de 1,3 milhão de nomes de imigrantes que entraram no país, entre 1875 e 1910, ou seja, na primeira fase da grande leva de imigração.

Nela, o usuário encontrará uma introdução sobre o projeto, o manual de utilização e as áreas de consulta e de validação de certidões. A busca pode ser feita pelo nome do imigrante, nome do navio, data de entrada, nacionalidade, nível de instrução, religião, profissão, estado civil, local de procedência e local de destino do imigrante no Brasil .

A partir dessas informações, o interessado poderá solicitar ao Arquivo Nacional uma certidão de desembarque do imigrante italiano.

Uma terceira opção de busca para localizar um documento é consultando o Registro Nacional de Estrangeiros – RNE, também conhecido como “Modelo 19”, que foi instituído de forma obrigatória em 1938, durante o Governo Getúlio Vargas, para todos os estrangeiros com menos de 60 anos que residiam no país. No Arquivo Nacional é possível encontrar prontuários de estrangeiros, relativos ao período de 1939 a 1987, informando o nome completo do estrangeiro, sua filiação e a cidade onde teria sido feito o registro.

O acervo de prontuários de estrangeiros está distribuído nas duas sedes do Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro e em Brasília, e podem ser solicitados de forma presencial ou pelo atendimento a distância. Os prontuários feitos nas regiões Sul e Sudeste se encontram no Rio de Janeiro, já os prontuários das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, se encontram em Brasília. Se o registro foi realizado na cidade de São Paulo, é necessário informar também o número do RNE, que pode ser obtido no Arquivo Público de São Paulo.



Muitos agricultores italianos que emigraram para o Brasil no século XIX foram transportados para as grandes fazendas de café do Vale do Paraíba fluminense e paulista, onde iniciariam um movimento de substituição da mão de obra escrava. Cultura do café nas fazendas da Serra dos Órgãos. Karl Friedrich Philipp von Martius. Fonte: Arquivo Nacional

Uma quarta opção é a consulta aos processos de naturalização de estrangeiros. O Arquivo Nacional detém processos de 1823 a 1959 e a pesquisa só pode ser feita, por meio dos setores de atendimento presencial e a distância, no Rio de Janeiro, desde que o usuário informe nome completo do estrangeiro naturalizado e sua filiação. Uma vez localizado o processo, o Arquivo Nacional emite cartas negativas de naturalização, porém o documento não é válido como certidão. A fim de obter uma certidão (positiva ou negativa) de naturalização, assim como para verificação de processos posteriores a 1959, o usuário deverá solicitá-la ao Departamento de Migrações do Ministério da Justiça.


Uma quinta opção é a consulta à documentação do Departamento Nacional de Povoamento que reúne um conjunto documental sobre movimentos migratórios no Brasil, como os registros de imigrantes na Hospedaria da Ilha das Flores, entre 1883 e 1932; registros de imigrantes na Hospedaria de imigrantes do Pinheiro entre 1892 e 1893; registros de imigrantes na Agência Central de Imigração entre 1893 e 1897, e todo o ano de 1902; além de movimentos de imigrantes no Porto do Rio de Janeiro entre 1877 e 1896.

O Arquivo Nacional possui ainda outros importantes conjuntos documentais sobre estrangeiros no Brasil como a Inspetoria Geral de Terras e Colonização e a Polícia da Corte. O primeiro reúne documentos sobre imigrantes, como ofícios, relações de imigrantes, localização de trabalhadores estrangeiros (e brasileiros) em províncias, entre outros do período de 1819 a 1890. Já o segundo era o órgão responsável pelo controle de entradas de estrangeiros e pela expedição de passaportes, cujo acervo compreende o período entre 1808 e 1866. Tais documentos podem ser localizados por meio da base de dados SIAN e da base de dados Movimentação de Portugueses no Brasil – 1808-1842.

sábado, 20 de fevereiro de 2021

Brasil celebra os 147 anos da imigração italiana, neste domingo



21 DE FEVEREIRO: DIA DE CELEBRAR A IMIGRAÇÃO ITALIANA NO BRASIL


Os 147 anos da imigração italiana no Brasil são comemorados neste domingo, dia 21 de fevereiro. A data marca a chegada do navio La Sofia a Vitória.

O desembarque do navio italiano na capital do Espírito Santo levou à criação do Dia Nacional do Imigrante Italiano. A data foi criada por meio de projeto de lei no Senado, em 2008.



O navio La Sofia deixou o Porto de Gênova em 3 de janeiro de 1874, trazendo o chefe dessa expedição ao Brasil, Pietro Tabacchi, além de lavradores, um capelão e o auxiliar Pietro Casagrande.

Pietro Tabacchi era um italiano da região de Trento, que já tinha vindo para o Brasil em 1851 e adquirido uma fazenda, batizada de Nova Trento, na cidade de Santa Cruz.

Em 1974 ele foi autorizado pelo governo do Espírito Santo a trazer imigrantes italianos para trabalhar em suas terras.

Ao todo, essa expedição trouxe 386 imigrantes da região do Tirol Italiano.
Primeiros imigrantes italianos

Apesar de o dia 21 de fevereiro ser um marco da imigração italiana, os italianos começaram a chegar antes ao Brasil. Entre 1860 e 1920, 7 milhões de italianos desembarcaram no país.
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Até meados do século XIX, havia grandes diferenças socioculturais na Península Itálica.

O processo de unificação durou 20 anos e resultou em mudanças no trabalho do campo.

Associadas ao desenvolvimento industrial, essas mudanças levaram fome e desemprego a milhares de camponeses e artesãos.

Desse modo, muitos camponeses aceitaram o convite do governo brasileiro para trabalhar nas lavouras do país, principalmente nas regiões sudeste e sul.

Esses italianos eram, na maioria, da região do Vêneto, norte da Itália.

Apesar de a região sul do Brasil ter recebido os primeiros italianos, o sudeste recebeu o maior número de imigrantes oriundos da Itália.

Isso se deve à expansão das fazendas de café no Estado de São Paulo.
Fenômeno da imigração italiana

A diáspora italiana foi o maior movimento migratório espontâneo da história.

Entre 1880 e 1976, cerca de 13 milhões de italianos foram residir em outros países.

Para o governo italiano, a emigração foi positiva, pois os emigrantes mandavam dinheiro para os parentes que ficavam no país.

O Brasil possui hoje a maior população italiana fora da Itália.

Segundo a Embaixada da Itália no Brasil, aproximadamente 27 milhões de descendentes de italianos residem no país.

Eles estão distribuídos principalmente pelo sudeste e sul do Brasil – quase 15% do total da população brasileira.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

'Descendentes precisam saber que história da África é tão bonita quanto a da Grécia'


Principal africanólogo brasileiro, diplomata Alberto da Costa e Silva diz que negro não aparece na nossa história 'como realmente foi, um criador, um povoador do Brasil'.

Fernanda da EscóssiaDo Rio de Janeiro para a BBC Brasil
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Segundo o acadêmico Alberto da Costa e Silva, Brasil precisa mudar olhar em estudo da África (Foto: Guilherme Gonçalves/ABL)

Quando começou a se interessar pela história da África, o poeta, diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva ouviu: "Por que você, um diplomata, um homem tão letrado, não vai estudar a Grécia?"

Justamente porque todo mundo estudava a Grécia, explica, ele resolveu estudar a África. Hoje, é o principal africanólogo brasileiro, autor de clássicos como A Enxada e a Lança: a África antes dos Portugueses e A Manilha e o Libambo: a África e a Escravidão, de 1500 a 1700. E, aos 84 anos, prepara um novo livro para completar sua trilogia sobre história africana.
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Seis coisas que você provavelmente não aprendeu na escola sobre a África
A professora que luta para valorizar Zumbi em escola de Palmares

Formado em 1957 pelo Instituto Rio Branco, Costa e Silva serviu em vários países e foi embaixador na Nigéria.

É membro da Academia Brasileira de Letras, autor e organizador de mais de 30 livros. Por sua obra, recebeu em 2014 o Prêmio Camões, o mais prestigiado da língua portuguesa.

Filho do poeta piauiense Antônio Francisco da Costa e Silva, nasceu em São Paulo e viveu no Ceará até aos 12 anos, quando mudou-se para o Rio de Janeiro. Cresceu entre livros e costuma dizer que, como no verso do poeta francês Charles Baudelaire (1821-1867), seu berço "ao pé da biblioteca se estendia".

Foi entre livros, quadros e esculturas, no apartamento em que guarda lembranças de vários lugares do Brasil e do mundo, que ele recebeu a BBC Brasil às vésperas do Dia da Consciência Negra para falar da história do continente pelo qual se apaixonou.

BBC Brasil: Como o Brasil aprendeu a história da África?

Alberto da Costa e Silva: A história da África durante muito tempo foi uma espécie de capítulo de antropologia e etnografia do continente africano. Eram livros que árabes e europeus escreveram sobre suas viagens. Data do fim da Segunda Guerra Mundial a consolidação a história da África como disciplina à parte, semelhante à história da Idade Média europeia, ou à história da China.

Entre 1945 e 1960 seu estudo começa a ganhar grandes voos, tanto na África quanto na Europa, sobretudo Inglaterra e França. Curiosamente o Brasil esteve ausente disso. Os historiadores brasileiros sempre viam a história das relações Brasil-África com a África figurando como fornecedora de mão de obra escrava para o Brasil, como se o africano que era trazido à força nascesse num navio negreiro.

Era como se o negro surgisse no Brasil, como se fosse carente de história. Nenhum povo é carente de história. E a história da África é uma história extremamente rica e que teve grande importância na história do Brasil, da mesma maneira que a história europeia.

De maneira geral, quando se estuda a história do Brasil, o negro aparece como mão de obra cativa, com certas exceções de grandes figuras, mulatos ou negros que pontuam a nossa história. O negro não aparece como o que ele realmente foi, um criador, um povoador do Brasil, um introdutor de técnicas importantes de produção agrícola e de mineração do ouro.

BBC Brasil: O senhor poderia citar alguns exemplos?

Costa e Silva: Os primeiros fornos de mineração de ferro em Minas Gerais eram africanos. Fizemos uma história de escravidão que foi violentíssima, atroz, das mais violentas das Américas, uma grande ignomínia e motivo de remorso. Começamos agora a ter a noção do que devemos ao escravo como criador e civilizador do Brasil.

Quando o ouro é descoberto em Minas Gerais, o governador de Minas escreve uma carta pedindo que mandassem negros da Costa da Mina, na África, porque "esses negros têm muita sorte, descobrem ouro com facilidade". Os negros da Costa da Mina não tinham propriamente sorte: eles sabiam, tinham a tradição milenar de exploração de ouro, tanto do ouro de bateia dos rios quanto da escavação de minas e corredores subterrâneos. Boa parte da ourivesaria brasileira tem raízes africanas.

Temos de estudar o continente africano não como um capítulo à parte, um gueto. A história da África está incorporada à história do mundo, porque ela foi parte e é parte da história do mundo. Que a história do negro no Brasil não seja isolada, como se o negro tivesse sido um marginal. O negro foi essencial na formação do Brasil.

BBC Brasil: Qual a importância de um personagem como Zumbi?

Costa e Silva: Havia um suplemento juvenil do jornal A Noite, sobre grandes nomes da história, e eu me lembro perfeitamente de um caderno sobre Zumbi. Zumbi está aliado de tal maneira à ideia de liberdade que é difícil escrever sobre ele sem ser apaixonado.

Zumbi não é um nome, é um título da etnia ambundo, significa rei, chefe. Palmares era como um Estado africano recriado no Brasil. Na África era muito comum isso. Em torno de um núcleo de poder forte se aglomeravam vários povos e formavam um novo povo. Isso é uma hipótese.

BBC Brasil: O senhor vê um aumento do interesse dos brasileiros pela questão negra?

Costa e Silva: Tenho a impressão de que todos temos dentro de cada um de nós um africano. Podemos não ter consciência disso, mas é permanente. Há naturalmente hoje em dia uma percepção mais nítida do que é a África, a escola começa a dar uma visão mais clara.

Mas ainda apresenta visões distorcidas. Uma vez uma professora veio me dizer que era absurdo que apresentássemos Cleópatra como uma moça branca, quando ela era negra. É um equívoco isso. Cleópatra não era negra nem mulata. Era grega. Os Ptolomeus, uma dinastia grega, governavam o Egito e não se misturavam.

BBC Brasil: Na África também havia escravos, não?

Costa e Silva: Escravidão houve em todas as culturas no mundo. Todos nós somos descendentes de escravos. Houve escravidão em toda a Europa, na Indonésia, entre os índios americanos, na Inglaterra. Na África havia todos os tipos de escravidão, e até hoje em certas regiões africanas os descendentes de escravos são discriminados. Quase toda a África teve escravidão.

A escravidão transatlântica, da África para as Américas, a nossa, tem uma diferença básica: pela primeira vez era uma escravidão racial. Era um especial aspecto da perversidade dela. No início não, mas a partir de certo momento, passa a ser exclusivamente negra. Foi o maior deslocamento forçado de gente de uma área para outra que a história já conheceu, e o mais feroz.

O Brasil foi o último país das Américas e do Ocidente a abolir a escravidão. O último do mundo foi a Mauritânia (na África), em 1981.

BBC Brasil: Como analisa o racismo hoje no Brasil?

Costa e Silva: Existe racismo, e muitíssimo. No nosso racismo, não temos um partido racista, mas temos repetidas manifestações de racismo no seio da sociedade. É dificílimo, para um negro, ascender socialmente. A discriminação se exerce de forma muitas vezes dissimulada, mas que os marca muito. Mas está mudando. Sinto mudanças.

É importante que os descendentes de africanos saibam que eles têm uma história tão bonita quanto a história da Grécia. Que eles não eram bárbaros, que não são descendentes de escravos. São descendentes de africanos que foram escravizados.

Para mim o importante não é que haja cota na universidade. Acho que tem de haver cota em tudo. Se você vai se candidatar a um cargo de atendente de hotel de primeira classe, se você for negro, você tem dificuldade. O preconceito é discriminatório. Ele não impede você de usar o mesmo banheiro, o mesmo bebedouro, mas dificulta o acesso (do negro) às camadas das classes média e alta.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Bilionário turco vai doar metade de sua fortuna para ajudar refugiados







Notícias
Bilionário turco vai doar metade de sua fortuna para ajudar refugiados

Ulukaya, tem um patrimônio da casa de U$.1,41 Bilhão (R$ 5,44 bilhões), entrou no grupo decidido a investir ao mínimo a metade de sua fortuna em ações que prestem ajuda aos refugiados em todo o mundo.


Atualmente, um dos assuntos que mais despertam atenção das nações é a dos refugiados que buscam abrigo em países da Europa, é triste ver a condição do ser humano em navios tentando sobreviver em outros países.


Comovido com esta situação, Hamdi Ulukaya, bilionário turco, fundador da Chobani (marca que lidera o mercado de iogurte grego nos Estados Unidos) resolveu participar do The Giving Pledge, projeto criado por Bill Gates e Warren Buffett, que agrega vários bilionários do mundo todo com o objetivo de doarem uma parcela de suas fortunas em vida.

Ulukaya, tem um patrimônio da casa de U$.1,41 Bilhão (R$ 5,44 bilhões), entrou no grupo decidido a investir ao mínimo a metade de sua fortuna em ações que prestem ajuda aos refugiados em todo o mundo.

Detalhe, em 2018 ele doou U$ 2 milhões (R$ 7,72) para a agência da ONU especializada em refugiados, pensando nisto, criou a fundação TENT, cujo objetivo é prestar socorro aos refugiados.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Imigrantes haitianos são barrados ao tentar deixar o Acre pela fronteira do Peru: 'situação caótica', diz prefeito


Imigrantes haitianos estão acampados na Ponte da Integração, em Assis Brasil, na fronteira com o Peru.


Por Alcinete Gadelha, G1 AC — Rio Branco

14/02/2021 14h32 Atualizado há um dia




Mais de 300 imigrantes estão acampados em ponte na fronteira do Acre com o Peru — Foto: Jhonei Araújo/ Arquivo pessoal



Um grupo de pelo menos 300 imigrantes vindos do Haiti ocupa a ponte da Integração que liga a cidade acreana de Assis Brasil, na fronteira com o Peru, neste domingo (14). Com a fronteira fechada, eles tentam sair do Brasil, mas são impedidos pelas autoridades peruanas, segundo informações da Polícia Militar.


A fronteira do Acre com o Peru está fechada desde março de 2020. Nesse período, diversos imigrantes chegaram em Assis Brasil, onde foram alojados em abrigos e mantidos pela prefeitura. A cidade chegou a decretar situação de emergência.


Os imigrantes começaram a deixar a cidade a partir do mês de julho. Em janeiro deste ano a prefeitura abrigava apenas um cubano na Escola Municipal Edilsa Maria Batista. Na época, o prefeito recém-empossado, Jerry Correia, afirmou que faria uma auditoria para saber quanto foi gasto pela gestão passada com a questão imigratória e qual montante de dívidas que a cidade acumulou.


Polícia peruana impede passagem de imigrantes na fronteira do Acre — Foto: Arquivo pessoal



O prefeito de Assis Brasil, Jerry Correia, diz que a situação é caótica. “A situação em Assis Brasil é caótica, dramática, nós estamos revivendo o que vivemos em 2020, com essa crise migratória. A coisa se agravou, especialmente hoje, quando imigrantes, na sua maioria haitianos, resolveram protestar e entrar no país vizinho, Peru, a todo custo”, disse o prefeito.


Correia afirma que esses imigrantes são os que teriam vindo para o Brasil desde o terremoto, de 2010 e agora tentam sair do território brasileiro por estarem perdendo os empregos devido à pandemia.


Ele explica que hoje a prefeitura mantém os imigrantes em três abrigos montados em uma escola, um ginásio e uma casa alugada. “Nós estamos mantendo três locais como abrigo desde o ano passado. Essas pessoas, no desespero, foram para ponte para tentar entrar [no Peru]”, conta.




Negociações com o Peru




O prefeito está em negociação com as autoridades peruanas e espera autorização para que eles possam ingressar no país.


“Eles estão sensíveis à situação. Há uma possibilidade de eles permitirem o ingresso. O governador de Madre de Dios está tentando autorização do governo federal peruano. Vão fazer uma triagem nesse grupo, testar todos eles para a Covid. Mas a crise vai além disso, mesmo que as autoridades permitam o ingresso desses imigrantes, amanhã, depois, nós teremos novamente esse número aqui no município de Assis Brasil”, desabafou.


Imigrantes esperam autorização para ingressar no Peru — Foto: Jhonei Araújo/Arquivo pessoal



A prefeitura diz que continua dando assistência aos imigrantes que estão acampados na ponte. “Estamos levando, alimentação, água, tentando fazer a locação de tendas, para que essas pessoas possam se livrar da chuva, já que elas estão dispostas a ficar ali o tempo que for necessário para entrar no Peru”, diz o prefeito.


Pelo menos 300 haitianos ocupam ponte da Integração em Assis Brasil — Foto: Arquivo pessoal


A PM informou que esse novo grupo chegou nas últimas semanas. Mas, por causa do decreto que reclassificou o Acre para a fase vermelha, após o aumento dos casos de Covid-19, está interrompida a circulação e o ingresso, no estado, de veículos de transporte coletivo interestadual e internacional de passageiros, público e privado, exceto os que se destinarem a transporte de pacientes.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A São Paulo do início do século 20 pelo olhar imigrante do fotógrafo Vincenzo Pastore



As fotografias emblemáticas do fotógrafo ítalo-brasileiro Vincenzo Pastore (1865-1918), feitas nas ruas da capital paulista, têm uma história interessante: feitas na década de 1910, permaneceram guardadas numa caixa de papelão até 1996. Sobreviveram como coleção familiar até Flávio Varani, neto do fotógrafo, doá-las ao Instituto Moreira Salles. Tal especificidade iniciou um percurso de migração das fotos que passaram a integrar o acervo do instituto. Na cadeia de apropriação a qual foram submetidas, agenciamentos surgiam na aquisição, na organização curatorial da exposição São Paulo de Vincenzo Pastore (1997), na divulgação, na produção do livro e catálogo, na disponibilização de parte da coleção na internet, contando ainda o impacto causado entre os historiadores sociais, atentos à chamada “história vista de baixo”, na esteira dos estudos do cotidiano, que lançavam luz às ações dos grupos tidos como subalternos. A coleção Vincenzo Pastore foi então produzida como documento, tomada como fonte histórica repleta de registros vibrantes porque indiciavam a economia de subsistência paulistana movida pela força de trabalho de mulheres e de homens negros, tão obscurecidos nas tramas da história.


Vendedores ambulantes de tecidos. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1910. Acervo IMS.

Nas andanças tão comuns na urbe paulistana, Pastore se aproximou e retratou homens negros trabalhando ao lado de muitos imigrantes também lançados à experiência do desterro. Pouco se falou do imigrante vendedor de tecidos mascateando ao lado do homem negro, um possível assistente. Mas a cena não escapou ao fotógrafo. Na lida diária de empurrar o carrinho ou carregar caixas de tecidos, convivências foram construídas. Na fragmentação de suas comunidades tradicionais, o trabalhador negro e o imigrante, antes enraizados nas práticas camponesas, lançaram-se em uma experiência comum. Compunham a leva saída do interior ou chegada ao porto de Santos em busca de melhores condições de vida.

O fotógrafo que deixou para trás a comuna de Cassamassima, região da Puglia, em sua trajetória como retratista, atuava ora no Brasil, ora na Itália. Uma vida entre dois continentes, que nos revela a complexidade das experiências de imigração. A sua própria experiência de imigrante talvez tenha se projetado nas fotos realizadas nas ruas da capital paulista, entre os anos de 1908 e 1914, pois seus registros imprimem experiências citadinas multifacetadas e contraditórias, constituindo-se como uma importante documentação visual para a história social da cidade e da imigração, enunciando um fotógrafo que sobrevivia e ganhava dinheiro com o retrato comercial de estúdio, mas também interessado pelo espaço urbano paulistano que preservava traços ainda coloniais, apesar de todos os esforços modernizantes.


Homem idoso recostado em grade metálica da rua São João, imagem feita em frente ao Bijou Salão. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1910. Acervo IMS.

Pastore retratou também um homem negro, já idoso, que tentava garantir seu modo autônomo de trabalhar e viver. Foi preciso, para uma leva de trabalhadores das cidades, encontrar formas de sustento mais imediatas, o que os impeliu para uma cultura mais independente e adaptada aos trabalhos temporários. O senhor encostado na grade de ferro fundido leva seu cesto no braço. Os muitos rasgos nas pontas do cesto são as marcas do quanto era usado, surrado, desgastado pelo ir e vir de um possível vendeiro angariando seu sustento na rua São João. Provavelmente tenha sido ele um morador dos quartos alugados nas casas sob risco iminente de desapropriação para a viabilização do projeto de remodelação, que visava tornar essa rua uma grande avenida. Possivelmente sem recursos suficientes para montar uma barraquinha e contribuir com o fisco, o homem fotografado por Pastore contava apenas com suas andanças esperançosas pelas quadras próximas do burburinho e do agito do mercadinho da São João, depois transferido para baixo do viaduto Santa Ifigênia. Talvez fosse morador de um casebre localizado na Várzea do Carmo.


Casario e lavadeiras às margens do Rio Tamanduateí, região da Várzea do Carmo, próximo ao parque Dom Pedro II. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1910. Acervo IMS.

O Brás, antes local de abrigo para escravizados fugidos, no novo século tornou-se bairro de moradia daqueles que fugiam dos custosos aluguéis. Da cidade das águas, repleta de bicas, chafarizes, pequenos riachos, córregos e rios como parte vital dos costumes dos moradores da cidade, Pastore se aproximou das vicissitudes de canoeiros e barqueiros, mas também das lavadeiras. Em suas experiências pouco favoráveis, em condições de desamparo, enfrentando situações de insegurança em muitos minutos de uma vida inteira, as lavadeiras ocupavam as extensas margens do rio Tamanduateí. Pastore as retratou em contingências que descortinam seus esforços diários de trabalho. O fotógrafo desceu ladeiras para encontrá-las. Deixava seu estúdio na Rua Direita e deslocava-se pela ladeira Porto Geral ou pela General Carneiro. Seguia rumo ao parque Dom Pedro II, onde entrevia o quanto os aspectos mais antigos da velha província resistiam, apesar de tudo.


Rio Tamanduateí, antes da retificação. À direita, vê-se uma mulher, possivelmente uma lavadeira. Ao fundo, casebres no bairro do Brás. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1910, fotografia em papel. Acervo IMS.

Era exigido vigor nesse cotidiano da urbe. Era preciso vontade de enfrentamento. No Arquivo Público do Estado de São Paulo, encontrei em minhas pesquisas um relato carregado de observações parciais e pejorativas sobre as lavadeiras. De modo velado, porém, despontam atos de resistência. Não era com passividade nem com desânimo que Anna Pagano tentava sustentar seus três filhos: Miguel (12 anos), Antonio (10 anos) e Constantino (8 anos). “É lavadeira, vivendo em extrema miséria, sem meios para manutenção dos filhos, que se vestem de trapos”, foi a descrição feita ao juiz de órfãos sobre a família que vivia na rua Santa Rosa, número 16, onde “residiam diversas famílias”, como indica a documentação consultada no Arquivo, em maços dos Processos de Orphãos, número 10.726, 31 jul. 1911.

Anna foi mais uma mãe a integrar o grupo de mulheres sós e sem recursos que sonhavam em ver o filho mais velho aprender um trabalho: “O mais velho está aprendendo o ofício de sapateiro, sem nada ganhar ainda, porém”. Apesar dos equívocos de leituras presas ao conteúdo da imagem, é quase impossível não ter a sensação de entrever Anna na fotografia de Pastore, com as lavadeiras tomando o primeiro plano da imagem, algo incomum ao padrão paisagístico dos cartões postais que registraram cenas tidas como pitorescas.

Na mostra realizada pelo IMS, que apresentava Pastore ao público como fotógrafo da cidade, o conjunto de imagens foi dividido em duas salas. Painel, paredes e vitrines tornaram-se suportes de memória, apresentando as fotos protegidas por vidros. O público finalmente via homens e mulheres egressos da escravidão ou oriundos da imigração, tipos populares trabalhando nos arredores dos mercados e nas ruas da cidade, na venda feita também de porta em porta, ágeis na improvisação submetida a uma conjuntura na qual o trabalho era marcado por fluidez e mobilidade, feito de pequenos expedientes, considerado instável e temporário, mas fundamental para ganhar a vida.


Duas mulheres conversando, nas proximidades do atual parque Dom Pedro II. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1910. Acervo IMS.

Pastore surgia então como fotógrafo da cidade, curioso em flagrar encontros, conversas e possíveis trocas de informações. Deixou em primeiro plano as duas mulheres, destacando seus cestos nos braços. Possivelmente trata-se de vendeiras, retratadas de corpo inteiro, em situações corriqueiras, claramente privilegiando os aspectos materiais que cercavam as retratadas em seu cotidiano. São claros os indícios das condições da vida material, da valorização de panos e xales usados pelas retratadas, das pequenas posses e de como decidiam em conjunto a pose, o instante em que iriam simular a desatenção, dando a ver aspectos de um retrato negociado, como mostra a imagem na qual Pastore experimentava aproximações incomuns à fotografia do período. De forma respeitosa posicionou-se bem perto delas, e ambas revezavam o momento de olhar para o fotógrafo.


Duas mulheres conversando, nas proximidades do atual parque Dom Pedro II. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1910. Acervo IMS.


Mulheres descansando em banco de praça. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1910. Acervo IMS.

É também surpreendente o registro do homem negro costurando seu próprio sapato. Esse retrato revela-se como uma afirmação. Era preciso forte improviso para integrar-se ao mundo dos livres. O gesto colocado em cena inscreve um importante elemento no reconhecimento da cidadania. Pastore rastreou subjetividades historicamente construídas, mas em um conteúdo imagético criado na condição de uma vida livre. Costurar o próprio sapato, importante símbolo de distinção, foi um gesto revelador de afirmação e recusa em andar descalço. Talvez dali, ao rés do chão, o retratado tenha espiado a curiosidade do fotógrafo, dando-lhe pouca confiança. Era preciso ser escorregadio na tessitura social urbana, ser hábil em aprender rapidamente a lidar com poucas posses e paradeiro incerto.


Homem costurando o próprio sapato. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1910. Acervo IMS.

As imagens de Pastore surpreendem porque escapam do circuito de produção de fotos encomendadas. Não apresentam vínculos institucionais comuns à fotografia paulistana do período, de viés promocional, como aquelas alinhadas à produção da Light. Não deram corpo à tradição de álbuns comparativos estruturados em um discurso que contrapunha o velho e o novo, como signos respectivos do colonial preterido frente ao progresso que se edificava, perspectiva comum à visualidade da época, empreendida por fotógrafos como Militão e Becherini, por exemplo. São fotos que não cumpriam solicitações governamentais, tampouco formaram álbuns de lembrança, que reiteravam visualmente a conquista do espaço urbano. Fotos que não foram veiculadas como cartão-postal nem publicadas em jornais. As imagens de Pastore possuem uma especificidade que atordoa o pesquisador, e causam grande impacto na audiência porque, apesar de a coleção não ter tido circulação documentada em seu contexto de produção, a força de seu referente era notável. Suas imagens mostram como nem toda fotografia do início do novo século destinava-se à comemoração e que a cidade estava longe de ser aquela desejosa em reproduzir as ambiências parisienses.


Largo da Sé, atual praça da Sé, após a demolição da antiga catedral e da igreja de São Pedro da Pedra. À esquerda, a embocadura da rua 15 de novembro. À direita, a quadra atualmente ocupada pelo edifício da Caixa Econômica Federal. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1912. Acervo IMS.


Casal trabalhando em plantação de milho, em roças nos arredores do Triângulo Central. Vincenzo Pastore, São Paulo, 1910. Acervo IMS.

A coleção doada ao IMS mostra meninos engraxates, carregadores de lixo e o velho homem negro carregando seus panelões no Largo da Sé, todos tomando o primeiro plano da imagem. Traz ainda homens e mulheres trabalhando em suas pequenas roças, cuja colheita seria vendida pelas ruas da cidade e arredores dos mercados, revelando a ainda forte convivência entre o rural e o urbano. A futura metrópole surge como um complexo de fenômenos diversificados, em um contexto social onde o comércio ambulante era parte vital da experiência citadina, não como contradição ao urbano, mas intrínseca ao seu processo de expansão, sendo antes uma especificidade dessa dinâmica acionada por Pastore, que revelou sujeitos históricos que não se abatiam diante das dificuldades impostas. Por certo, foi um olhar crítico sobre o processo de metropolização da cidade, não obscurecendo as experiências daqueles que tentavam recuperar permanentemente a centralidade dos espaços perdidos. A São Paulo de Pastore não foi fetichizada pelo viés modernizador, abstrato e generalizante. É como se o fotógrafo fizesse uma invocação: Olhemos para as coisas que estão aqui! ///