sexta-feira, 24 de junho de 2016

Como a saída da UE afeta os brasileiros no Reino Unido


Como a saída da UE afeta os brasileiros no Reino Unido
Pablo Uchoa - @pablouchoa Da BBC Brasil em Londres

Há 9 horas Compartilhar
Image copyright PA Image caption Funcionário da imigração britânica

A decisão britânica de sair da União Europeia deve afetar as vida de milhares de brasileiros que vivem no Reino Unido com passaporte europeu ou são parentes de cidadãos europeus.


Quem hoje se beneficia das regras de livre circulação no bloco passará a se submeter a regras estabelecidas pela legislação nacional britânica.

Para quem já está no Reino Unido com visto gerido por essa legislação - com visto de trabalho, estudo ou cônjuges de britânicos - pouco deve mudar.

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"Quem não tinha de passar pelo crivo da imigração vai passar a ter", disse à BBC Brasil o consultor de imigração da Associação Brasileira no Reino Unido (Abras), Ricardo Zagotto.

"Aqueles que satisfizerem os critérios poderão ficar. Mas eles vão ter mais dor de cabeça e mais custos", diz o consultor.

Porém, ele enfatiza que "nada está claro", porque nenhuma proposta concreta foi apresentada durante a campanha.

"Não é que vão mandar os europeus embora, mas será criada uma nova bucroacia e eles vão ter de cumprir requisitos que a gente ainda não sabe quais são."
Que sistema?

Durante a campanha, os proponentes da saída enfatizaram que preferem substituir as regras de livre circulação da UE por um sistema de pontos e cotas, como acontece na Austrália.

Nesse sistema, os imigrantes vão acumulando pontos de acordo com os critérios que cumprirem, e são aceitos em vagas disponíveis nas diferentes categorias de cotas.

Ricardo Zagotto explica que o Reino Unido já possui um sistema baseado em categorias, que rege a entrada de estudantes, visitantes, trabalhadores qualificados e trabalhadores com pouca qualificação, por exemplo.Image copyright Reuters Image caption Partidários da saída da UE fazem campanha no centro de Londres - 52% dos britânicos optaram pelo voo solo

Porém, nem todas as categorias são preenchidas, porque o livre fluxo de cidadãos da UE naturalmente atende à demanda por imigrantes. Setores que empregam mão de obra pouco qualificada, como construção civil, agricultura e limpeza, por exemplo, são tipicamente abastecidos com trabalhadores do Leste Europeu.
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Em teoria, muitos europeus poderiam simplesmente continuar a viver no Reino Unido dentro das novas categorias. Igualmente, explica Zagotto, cidadãos com passaporte brasileiro que querem entrar no Reino Unido poderiam ser aceitos dentro de uma dessas categorias expandidas.

A grande incógnita da equação é desvendar qual o nível de imigração que um Reino Unido fora da União Europeia vai comportar.

No ano passado, entraram no país 330 mil imigrantes, metade deles, da União Europeia. O primeiro-ministro, David Cameron, prometeu reduzir esse número para menos de 100 mil por ano e tem estado sob forte pressão por não conseguir cumprir essa promessa.

Após o anúncio dos resultados - em que a opção de sair da União Europeia venceu a opção de ficar por 51,9% a 48,1% - Cameron anunciou que vai deixar o cargo até outubro.
Mudança gradual

Sejam quais forem as próximas regras, analistas e políticos dizem que a mudança será gradual e que ninguém terá de deixar o país da noite para o dia.

"Quero tranquilizar os britânicos vivendo na União Europeia e os cidadãos da União Europeia vivendo no Reino Unido que não haverá mudança imediata (nas suas circunstâncias)", disse Cameron em discurso na manhã desta sexta-feira.Image copyright Getty Images Image caption O primeiro-ministro, David Cameron, que após a derrota anunciou que deixará o cargo até outubro

Atualmente, cerca de 3 milhões de cidadãos europeus vivem no Reino Unido, principalmente da Polônia (850 mil), República da Irlanda (330 mil) e diversos países do antigo bloco soviético.

Zagotto explica que, atualmente, estes cidadãos podem pedir a residência permanente no Reino Unido quando completarem cinco anos vivendo no país.

Porém, essa autorização, o Certificado de Residência Permanente para Cidadão da UE, deve deixar de valer.

Já quem vive no Reino Unido com um visto regido pela legislação nacional recebe o Indefinite Leave to Remain - a autorização para viver no Reino Unido indefinidamente - e não é provável que isto seja modificado.

Em ambos os casos, a cidadania só é obtida um ano depois, mediante o cumprimento de requisitos como domínio da língua e conhecimento básico do funcionamento da sociedade britânica.
Alguém tranquilo?

O especialista da Abras acredita que, para efetuar uma transição suave, as autoridades britânicas vão: 1) criar provisões temporárias para lidar com a questão dos europeus que já vivem aqui e 2) impor restrições aos que vão entrar.

"Até o brasileiro europeu que ficou aqui cinco anos e pediu o documento de residência permanente está em uma situação incerta. Só está 100% tranquilo aquele brasileiro que já se naturalizou", disse Zagotto.

"Mas tem muito brasileiro que só se preocupa com a papelada quando acontece um evento, um fato. Agora aconteceu o evento."

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Articulação entre imigrantes e refugiados quer pressionar nova lei migratória


Articulação entre imigrantes e refugiados quer pressionar nova lei migratória

Um dos objetivos da frente independente é influenciar mudanças na legislação que substituirá o Estatuto do Estrangeiro
Julia Dolce
Redação, 10 de Junho de 2016 às 13:50Pitchou Luambo (ao centro), congolês refugiado, é coordenador do Grists (Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto de São Paulo) / Fora do Eixo


O restaurante e espaço de integração cultural palestino Al Janiah, no centro de São Paulo, reuniu no início do mês refugiados e imigrantes para a criação de uma articulação inédita entre os dois grupos, com o objetivo de compartilharem histórias e darem início a um grupo que protagonize as causas das comunidades de refugiados e imigrantes no país.

Uma das pautas históricas dessas comunidades é a garantia de direitos de cidadania aos imigrantes e refugiados, que seria possível por meio da mudança na legislação migratória.

Estiveram presentes membros da equipe de Base Warmis de imigrantes da América Latina, do Movimento Palestina para Tod@s (MOP@T) e do Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-Teto (Grist).
Estatuto do Estrangeiro

O que vigora atualmente é o Estatuto do Estrangeiro, um documento sancionado em 1980, ou seja, herdado da ditadura militar. Até hoje, ele proíbe direitos políticos dos imigrantes no Brasil, entrando em conflito com os direitos garantidos pela Constituição Federal. Entretanto, sua inconstitucionalidade não impede que ele continue sendo usado para regular a permanência e o ingresso de estrangeiros no país.

Os artigos 107 e 108 do Estatuto, por exemplo, proíbem que migrantes realizem qualquer atividade de natureza política e participem de associações com fins culturais, religiosos ou recreativos, como organizar ou participar de "desfiles, passeatas, comícios e reuniões de qualquer natureza", nem de "participar de reunião comemorativa de datas nacionais ou acontecimentos de significação patriótica".

Apesar de supostamente não ser mais aplicado pela Justiça, o Estatuto foi invocado em dois momentos nos últimos meses.

O primeiro foi o caso da professora italiana Maria Rosaria Berbato, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), intimada a depor na Polícia Federal de Belo Horizonte devido à sua participação em debates e eventos sobre a crise política atual no país.

A segunda foi a nota oficial publicada em 15 de abril pela Federação Nacional dos Policais Federais (Fenapef), que ameaçou prender e deportar imigrantes bolivianos que participassem de manifestações contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Para Lucia Sestokas, pesquisadora do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), o Estatuto do Estrangeiro entra em contradição com a própria normatização institucional.

"Ele diz que as pessoas imigrantes no Brasil não têm acesso a nenhum direito político e sindical, não apenas cerceia o voto, como na Constituição. É a confusão do civil com o político, uma vez que esses direitos são garantidos para qualquer pessoa, não apenas pela Constituição como por vários tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário", afirmou Lucia.

O ITTC divulgou recentemente a nota técnica "Constituição e tratados garantem o direito à participação política e sindical às pessoas migrantes no Brasil".

Segundo Lucia, o Estatuto do Estrangeiro é uma legislação de cerceamento e não preza pela garantia de direitos. "A primeira frase dele já coloca em destaque a questão da segurança nacional. Toda a lógica dessa legislação foi construída em cima de trazer mão de obra para as atividades que o Estado quer, e depois descartá-las. É uma mão de obra especializada, uma migração rica e branca. A legislação não permite o direito humano de migrar, mas uma migração selecionada, e ela volta a estourar agora com a crise política do país, o que mostra o caráter político dessa perseguição", destaca.

"A criação da frente independente de refugiados e imigrantes tem justamente este item [da participação política] como uma das principais bandeiras", afirmou Hasan Zarif, membro do MOP@T que participou do evento de integração no Al Janiah.

Christo Kamanda, refugiado da República Democrática do Congo, militante independente das causas migratórias e participante recente do GRIST, também compartilhou sua história no evento do dia 2 de junho. Kamanda é jornalista, vive em São Paulo há um ano, dá aulas de francês e tem um projeto de uma agência de notícias brasileira na sua língua de origem.

Na sua opinião, a legislação do Brasil deveria se basear nos demais países latino-americanos, que permitem a atividade política para imigrantes. "A questão da lei no Brasil tem uma grande contradição, porque a Constituição brasileira permite a participação de todos na cidadania, sem discriminação. Mas se a gente volta na lei da ditadura, que criminaliza a imigração, tem esse conflito", diz.

"O Brasil é um caso muito particular, ele não pode se comportar como todos os países do mundo, porque ele é um país composto por imigrantes e filhos de imigrantes. É uma exceção. Fora os nossos irmão indígenas, proprietários originais do Brasil, todo mundo aqui é imigrante. Isso é mais importante que todo o resto, e os políticos brasileiros têm que colocar na cabeça. Na Câmara, no Governo Federal, não tem nenhum índio governando. São todos imigrantes. É um absurdo! As pessoas que chegaram aqui primeiro não podem atrapalhar os outros que acabaram de chegar", denunciou o jornalista.

Kamanda também repudia as ameaças feitas pela PF em abril: "Os imigrantes não chegam às manifestações sozinhos, eles são convidados por brasileiros. Eu denuncio esse comportamento irresponsável da polícia. Ela não está lá para ameaçar as pessoas, e até os imigrantes têm medo dela".
Projetos de Lei

Dois projetos de lei em tramitação visam mudar a legislação migratória brasileira. Um deles é o PL 2516/2015, de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que está na fila de pautas da Câmara dos Deputados.

O PL pretende atualizar o Estatuto do Estrangeiro, tendo como suas principais pautas a concentração de poderes na Polícia Federal e a presença ou não de uma entidade civil como autoridade nacional migratória.

Entretanto, o PL ainda pode sofrer modificações até a construção do texto final. No fim de maio, o PL de Aloysio Nunes teve como acréscimo o PL 5293/2016, de autoria do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), que pretende "definir a situação jurídica do estrangeiro no Brasil e criar o Conselho Nacional de Imigração".

"O que a gente está tentando, junto com diversas organizações que se mobilizam pela luta das pessoas migrantes, é demandar os direitos políticos sim. Ainda que a Constituição vete o voto, a gente tem todo um leque de direitos políticos que todo mundo pode ter acesso, e temos que lutar para que isso seja garantido", concluiu Lucia.

Edição: Camila Rodrigues da Silva