sábado, 12 de dezembro de 2020

Avôs e avós italianos ensinam suas receitas em canal na web


Avôs e avós italianos ensinam suas receitas em canal na web

Projeto busca preservar memória de pratos tradicionais da culinária italiana

Sabe aquela receita dos avôs e avós italianos? Que não pode ser perdida de maneira alguma?

É isso que faz o Pasta Grannies (“vovós da massa”, em tradução livre). No canal no YouTube, eles ensinam receitas tradicionais da Itália, e é claro, eles colocam a pitada especial de tempero, que é particular de cada família.

No ar desde 2014, o canal já foi visto por milhões de pessoas e tem quase 690 mil seguidores.

O vídeo mais assistido é da nonna Maria e sua filha Paola, de Faenza, na Emilia-Romagna. As duas ensinam a fazer uma deliciosa lasanha.

Veja a seguir:


Toda sexta-feita tem receita nova dos avôs e avós italianos no canal. Os vídeos são gravados em italiano, com narração em inglês. Mas é possível habilitar as legendas em português, no próprio YouTube.

Criado pela americana Vicky Bennison, o canal foi inspirado nos seus livros sobre a culinária italiana.

“Percebi que habilidades de cozinha não estavam sendo transmitidas para as novas gerações”, disse Bennison.

“É claro que esses preparos não vão morrer, mas eles têm se tornado uma atividade mais comercial e industrial do que uma atividade doméstica”.

“Todo mundo pensa que a sua nonna (avó, em italiano) cozinha melhor. Mas o que a nonna vai cozinhar daqui a 20 anos? Os homens e mulheres da Itália estão muito ocupados hoje em dia para passar tempo na cozinha”, concluiu.
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quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Museu da Imigração cria mostra sobre avós italianos




Museu da Imigração cria mostra sobre avós italianos

Exposição retrata o começo da vida dos italianos em terras brasileiras

Avôs e avós italianos que chegaram ao Brasil nas décadas de 1950 e 1960 estão sendo retratados em exposição temporária no Museu da Imigração de São Paulo.

“Nonni di São Paulo”, como foi batizada, a mostra reúne 50 depoimentos de imigrantes, todos entre 70 e 90 anos de idade.

Inaugurada no ultimo sábado (05), a exposição retrata o começo de suas vidas em terras brasileiras, bem como suas conquistas.

Os testemunhos sobre os avós e avôs italianos foram coletados pelo italiano Oliviero Pluviano, jornalista genovese radicado no Brasil.

Inicialmente, a exposição seria lançada em março deste ano, mas precisou ser adiada em virtude da pandemia do Covid-19.
Os personagens

Entre os personagens, os visitantes podem conhecer Lisena Montanaro, uma das “Mães de São Vito”, que embarcou para o Brasil em 1955, dois dias depois de completar 18 anos.

Bruna e Giorgio Maschietto, ambos originários do Vêneto, e que chegaram ao território brasileiro em 1955 e 1953, respectivamente, também foram retratados.
Informações

Os ingressos para visitar a exposição sobre os avós e avôs italianos no Museu da Imigração podem ser adquiridos antecipadamente pelo site Ticket 360 ou pessoalmente na bilheteria, que funciona até às 16h.

Com curadoria do ProAC e do Consulado Geral da Itália em São Paulo, a mostra poderá ser prestigiada de quarta-feira a domingo, das 11h às 17h (horário local).

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Número de refugiados no Brasil aumenta mais de 7 vezes no semestre; maioria é de venezuelanos



Cerca de 43 mil estrangeiros vivem no Brasil com a condição de refúgio. Desse total, quase 90% vieram da Venezuela. Com a pandemia do novo coronavírus, porém, número de pessoas que pedem refúgio às autoridades brasileiras deve diminuir.




Travessia da fronteira entre Brasil e Venezuela, em foto de 2019 — Foto: Ricardo Moraes/Reuters


O Brasil tem cerca de 43 mil pessoas reconhecidas atualmente como refugiadas, informou o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) na segunda-feira (8). O número representa mais de sete vezes o registrado no início de dezembro, quando havia cerca de 6 mil pessoas em situação de refúgio no país.


Segundo o comitê, ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, o aumento se explica pelas três levas de aprovação dos pedidos feitos por venezuelanos: uma em dezembro, uma em janeiro e outra em abril — essa, destinada a um contingente de filhos de refugiados da Venezuela.




Operação acolhida mantém processo de interiorização de imigrantes venezuelanos em RR


Com isso, desde dezembro, o governo brasileiro aprovou cerca de 38 mil solicitações de venezuelanos, o que representa 88% do total. O Conare classifica o país vizinho há um ano como em situação de "grave e generalizada violação de direitos humanos", o que acelera a aprovação dos pedidos de refúgio.


O coordenador-geral do Conare, Bernardo Laferté, explicou ao G1 que, mesmo com as medidas adotadas, não é o comitê quem determina se haverá mais ou menos pedidos de refúgio no Brasil.

"Não somos nós que mexemos na causa do refúgio, é uma questão de demanda", afirma Laferté.


Efeito da pandemia



Refugiados venezuelanos começam a ser realocados em novo espaço de acolhimento, em Belém — Foto: Camila Diger/Agência Belém


O número de pedidos de refúgio aprovados deverá demorar a apresentar outros aumentos significativos devido à pandemia do novo coronavírus. Segundo o coordenador-geral do Conare, o comitê não tem identificado um movimento migratório de entrada no Brasil por causa do fechamento das fronteiras terrestres.


"Embora a situação por lá ainda seja grave, muitos venezuelanos estão voltando para a Venezuela. A gente entende que é pela situação da pandemia, mas tem que esperar passar para ver se a tendência vai se manter", apontou Laferté.


Por causa da Covid-19, a Polícia Federal não recebe mais os pedidos de refúgio ou de residência, salvo em casos excepcionais: por exemplo, se um estrangeiro no Brasil precisar entrar em um voo de interiorização a outras partes do país.




Venezuela em crise




Tumulto em Cumunacoa, na Venezuela, nesta quarta-feira (22) começou após saques a comércios — Foto: Reprodução/Robert Alcalá/Twitter


A pandemia do novo coronavírus e a derrubada dos preços do petróleo em março pioram a situação já difícil de uma Venezuela marcada pela violência e pela disputa de poder entre o regime chavista de Nicolás Maduro e a oposição liderada pelo parlamentar Juan Guaidó, que se declarou presidente interino do país no início do ano passado.


Com a crise da Covid-19, cidades venezuelanas registraram saques e confrontos violentos, inclusive com morte, nos últimos meses.


Dados do monitoramento da Universidade Johns Hopkins mostram que a Venezuela registrou 2.377 casos e 22 mortes por Covid-19 até esta segunda. No entanto, segundo observadores internacionais, esse número pode estar subestimado.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Apenas 5% dos municípios com presença de imigrantes e refugiados no Brasil oferecem serviços de apoio, aponta IBGE



Na grande maioria das cidades brasileiras não há nenhum tipo de instrumento para auxílio a estrangeiros que buscam refúgio no país. Entre 2010 e 2018, estima-se que cerca de 500 mil imigrantes deram entrada no país.




Venezuelanos entram no Brasil pela cidade de Pacaraima — Foto: Emily Costa/G1 RR



Um levantamento inédito realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela a baixa oferta de apoio governamental a imigrantes e refugiados que buscam asilo no Brasil. A pesquisa, divulgada nesta quarta-feira (25), mostra que apenas 215 cidades oferecem algum tipo de serviço específico para essa população.


Ao apresentar a pesquisa, o IBGE lembrou que “as migrações internacionais são parte constituinte da formação histórica e social do Brasil” e que, nos últimos anos, ganhou outro perfil. Diferente do que aconteceu na época do Brasil Império e na primeira metade do século 20, quando milhões de estrangeiros vieram ao país, entre 1980 e o final dos anos 2000, mais pessoas saíram do que entraram. Muitos brasileiros emigraram para os Estados Unidos, Japão, Portugal, Espanha e Reino Unido, entre outros.


A chegada de migrantes ao território brasileiro voltou a ocorrer de forma intensa a partir do final da primeira década do ano 2000 influenciada, conforme pontuou o IBGE, pelas crises político-econômica e climática no Haiti, mudanças na economia da China, estreitamento de laços com países africanos, o conflito na Síria e, mais recentemente, a profunda crise econômica da Venezuela.


De acordo com o IBGE, dados da Polícia Federal indicam que há presença de imigrantes e/ou refugiados em 3.876 dos 5.568 municípios brasileiros. Entre 2010 e 2018, foram registrados mais de 466 mil migrantes no país, além de 116,4 mil pedidos de refúgio.


Pedidos de refúgio de venezuelanos ao Brasil crescem 245% em um ano
Total de pessoas deslocadas no mundo passa de 70 milhões, diz ONU


Registros de imigrantes no Brasil
Número de registros de entrada de migrantes, entre 2010 e 2018, nos principais municípios com fluxo migratório.
183.608183.60880.88780.88722.79122.79121.62721.62718.16918.16915.50615.50614.15014.15014.15014.15013.04513.04512.11612.11611.23111.23110.74210.74210.20410.2048.0368.0366.1446.144São Paulo (SP)Rio de Janeiro (RJ)Boa Vista (RR)Brasília (DF)Curitiba (PR)Manaus (AM)Macaé (RJ)Porto Alegre (RS)Florianópolis (SC)Belo Horizonte (MG)Salvador (BA)Foz do Iguaçu (PR)Campinas (SP)Recife (PE)Pacaraima (RR)0100k200k25k50k75k125k150k175k
Fonte: Polícia Federal



“Os migrantes recentes [...], em geral, possuem nível médio de escolaridade, se inserem nos estratos inferiores da estrutura ocupacional, não dominam outro idioma além do nativo e chegam em situação de maior vulnerabilidade social e econômica, o que os faz demandarem políticas públicas de acolhimento e integração à sociedade brasileira”, enfatizou o IBGE.


Mais de 30% dos refugiados no Brasil têm ensino superior, diz pesquisa da ONU


Diante disso, a pesquisa buscou investigar o acolhimento aos imigrantes previsto na nova Lei de Migração, promulgada em maio de 2017. De modo geral, o IBGE constatou fragilidade na execução desta política.


“Deficiências são observadas, como, por exemplo, no ensino do idioma, requisito prioritário como porta de acesso à plena integração; no acesso aos serviços sociais públicos; na inserção ocupacional, que via de regra está aquém das habilidades e qualificações; e na garantia à moradia adequada, entre outras limitações”, apontou a pesquisa.




Dentre as 3.876 cidades onde há presença de imigrantes, apenas 215 (5,5% delas) contavam com pelo menos um serviço de apoio previsto na política migratória do país – associação ou coletivo para relacionamento com o poder público, curso de português, atendimento multilíngue nos serviços públicos, abrigo para acolhimento, centro de referência e apoio, formação/capacitação profissional.

Oferta de serviços a imigrantes e refugiados
Número de municípios com oferta de serviços, por tipo de serviço
818148482525585863634747Associação e/ou col…Curso permanente …Atendimento multil…Abrigo para o acolhi…Centro de Referênci…Formação/capacitaç…0100255075

Centro de Referência e Apoio a Migrantes e Refugiados


Fonte: IBGE


Associação de imigrantes


O IBGE destacou que um dos principais instrumentos para integração de imigrantes e refugiados é a associação ou coletivo desse grupo, devido à sua capilaridade para articulação com o poder público. Eles estão presentes em apenas 81 cidades onde há presença de imigrantes ou refugiados.


“Como os migrantes e refugiados não têm direito à participação política, quer dizer, votar ou ser votado em eleições proporcionais ou majoritárias, a organização em associações ou coletivos é o espaço do exercício democrático junto às instâncias de poder”.


A pesquisa chamou a atenção para a distribuição espacial destas associações e/ou coletivos, que se concentram, sobretudo, na região Sul do país. Dos 81, 44 estão na Região Sul. O Sudeste sedia 23, o Centro-Oeste, seis, o Nordeste, cinco, e o Norte, apenas três. Dentre as capitais que têm volume significativa de população migrante e/ou refugiada, o IBGE destacou que:



São Paulo - embora mantenha programa de formação e capacitação de servidores voltado ao atendimento de imigrantes/pessoas em situação de refúgio ou asilo humanitário, ainda não implantou o atendimento multilíngue;
Rio de Janeiro - tem relacionamento com as associações ou coletivos de imigrantes/pessoas em situação de refúgio ou asilo humanitário, além de oferecer cursos de idioma;
Brasília - só oferece abrigo;
Boa Vista - promove a cooperação com a União, oferece abrigo e mantém um Centro de Referência e Apoio a Imigrantes.


Mecanismos de cooperação


Conforme enfatizou o IBGE, a gestão migratória deve ser de responsabilidade das três esferas de poder, através de mecanismos de cooperação, com o ente federal gerindo as entradas/saídas, a regularização/regulação dos migrantes/refugiados e a cooperação internacional. Já a oferta de serviços, como o ensino do idioma, a geração de trabalho e renda, a oferta de moradia, devido à proximidade, deve ser ditada pelos estados e municípios, mas com suporte federal.


Das 27 unidades da federação do país, nove não possuem nenhum tipo de mecanismo de cooperação na gestão migratória. São elas Rondônia, Amapá, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas, Mato Grosso e Distrito Federal. “Neles, é importante ressaltar, a presença de migrantes/refugiados é diminuta”, ponderou o IBGE.


Em nível municipal, são apenas 75 os municípios, concentrados nas Regiões Sul e Sudeste, que possuem instrumentos de cooperação. Em 53 deles, a cooperação é feita com o estado, em 43, com a União, e 21 estabelecidos com os dois entes federados.


“Epitaciolândia, Manaus, Presidente Figueiredo, Boa Vista, Normandia e Pacaraima, localizados na Região Norte e que, recentemente, receberam correntes migratórias oriundas do Haiti e da Venezuela, estabeleceram cooperação ao menos com um ente federado”, ressaltou o IBGE

Curso de português para imigrantes e refugiados


Apenas 48 municípios, distribuídos em 11 das 27 unidades da federação, oferecem ensino de português a migrantes e refugiados, apontou o levantamento do IBGE. A maioria destas cidades se concentram em Santa Catarina quando, segundo a pesquisa, “a população de migrantes/ refugiados se concentra nos Estados do Amazonas, Roraima, Rio de Janeiro e São Paulo”.


“Não dominar o idioma do país de destino é um dificultador para além da comunicação cotidiana, pois prejudica o acesso ao mercado de trabalho e aos serviços públicos”, enfatizou o IBGE.


O órgão ressaltou, ainda, que “Unidades da Federação com importante presença de migrantes/refugiados sem a oferta de tais cursos acabam por gerar um complicador na gestão da questão migratória, como é o caso de Roraima”.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Frustrações em Portugal: gaúchos narram suas experiências como imigrantes


A avalanche de brasileiros tentando a sorte na pátria mãe inclui alguns bem-sucedidos e muitos que, após um período de decepções, têm de fazer as malas para voltar

LARISSA ROSO


 O fotógrafo Fabiano foi para Lisboa, mas, com dificuldades, teve de vender seu equipamento para pagar a passagem de voltaAnselmo Cunha / Agencia RBS

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“Aluguéis caríssimos, subempregos, xenofobia. Sim, brasileiros sofrem muito com xenofobia aqui em Lisboa! Portugal é lindo, maravilhoso para quem tem dinheiro e para quem vem turistar, mas para trabalhar... Está cada vez mais escravidão!”, lamenta uma mulher. “Estou indo embora na próxima semana. Motivos? Muitos! Salário mínimo muito baixo, aluguel superalto, impostos nas alturas. Só gastei dinheiro com a minha cidadania portuguesa para nada. Uma grande ilusão! Muitos brasileiros têm vergonha de dizer a verdade... Vergonha de falar que a vida não é fácil”, comenta outra. “A maioria das pessoas pinta o quadro mais bonito do que ele realmente é. Portugal é um país tranquilo para se viver, mas não é fácil como todos dizem, escrevem e postam”, define um terceiro participante da discussão.



Os comentários constam da página Portugal que Ninguém Conta, grupo com quase 65 mil membros que são convidados a compartilhar suas histórias e impressões sobre o país que virou moda entre brasileiros nos últimos anos, atraindo uma multidão de aspirantes a uma nova vida na Europa – porta pela qual, atualmente, parece ser mais fácil entrar. “A intenção, em momento nenhum, é desmoralizar Portugal, e sim mostrar que emigrar não é tão fácil como dizem”, lê-se na descrição da comunidade virtual.




Números comprovam o que facilmente se percebe no dia a dia: não é preciso procurar muito para localizar alguém que conhece alguém que desistiu da vida no Brasil e resolveu tentar a sorte, com mais ou menos recursos e planejamento, do outro lado do Oceano Atlântico. Os brasileiros continuavam compondo, em 2018, a maior comunidade estrangeira residente no pequeno país ibérico, com um total de 105.423 pessoas, número que representa um salto de 23,4% em relação a 2017, de acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Trata-se do índice mais elevado desde 2012. Não entram nessa soma cidadãos com dupla cidadania ou em situação irregular.

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O Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração (ARVoRe) da Organização Internacional para as Migrações (OIM), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), informa que 353 brasileiros – de 616 inscritos – receberam auxílio em dinheiro para voltar ao Brasil no ano passado, o que corresponde a 93% do total de indivíduos amparados pela agência no período. É o maior número de migrantes do Brasil ajudados desde 2013. Em 2019, até o final de maio, a OIM contabilizou 282 migrantes interessados, sendo 254 deles (90%) brasileiros. Em junho, 13 brasileiros regressaram.


As estatísticas também mostram que a expectativa pode se transformar em inesperado pesadelo logo no desembarque: em 2018, 76,3% dos viajantes barrados (2.866) na tentativa de entrar em Portugal eram brasileiros, mais do que o dobro (114,5%) dos rejeitados no ano anterior, segundo o SEF.


Aluguéis caríssimos, subempregos, xenofobia. Sim, brasileiros sofrem muito com xenofobia aqui em Lisboa! Portugal é lindo, maravilhoso para quem tem dinheiro e para quem vem turistar, mas para trabalhar... Está cada vez mais escravidão!
USUÁRIA DO FACEBOOK




Em julho de 2018, depois de percorrer 1,2 mil quilômetros do território lusitano, visitando cidades de Norte a Sul, GaúchaZH publicou reportagem com histórias de gaúchos que se arriscaram a encarar o desafio da mudança, narrando dificuldades, sucessos e aprendizados em uma nação que assistia à quarta grande onda migratória contemporânea de brasileiros, motivada pela acentuação da crise econômica e política do lado de cá e pela melhora das perspectivas por lá. Um ano depois, procuramos pessoas que desistiram do idílio português ou que, frente a enormes obstáculos, quase começaram a preparar as malas para o regresso ao Rio Grande do Sul.


Fabiano Luis Knopp, 43 anos, de Caxias do Sul, viveu em Lisboa entre abril e outubro do ano passado. Realizava, na maturidade, o sonho juvenil de morar no Exterior, adiado quando se tornou pai aos 25 anos. Fotógrafo, Knopp sabia do grande número de colegas brasileiros que exerciam a profissão em Portugal. Com a oferta de auxílio de um conhecido, resolveu se aventurar.


– Fui com a intenção de não voltar tão cedo, ou melhor, voltar apenas para visitar – recorda.
Fabiano Knopp: "Fui com a intenção de não voltar tão cedo, ou melhor, voltar apenas para visitar"Anselmo Cunha / Agencia RBS


O começo pareceu promissor. Knopp se hospedou na casa de amigos brasileiros. Ao pé do Cais do Sodré, na margem sul da capital, admirava uma vista incrível do Rio Tejo e da Ponte 25 de Abril, com diminutos barcos de pesca misturados a gigantescos cruzeiros. Passadas duas semanas, abraçou o primeiro trabalho, fotografando um casamento. Pesquisou preços e apresentou, na ânsia de ser aceito, um orçamento de 250 euros, baixo para os padrões locais, que foi aprovado pelos noivos. “Nossa! Comecei muito, mas muito bem”, pensou. A realidade logo se provaria bem mais árdua. Knopp teve de procurar outro endereço, além de uma colocação na área de restauração, que é como os portugueses se referem ao ramo de restaurantes e alimentação, uma vez que os trabalhos de foto sumiram. Encontrou emprego em um ponto tradicional da Praça das Flores. No início do verão, época repleta de turistas, preparava sanduíches, sucos e cafés, lavava a louça, limpava o chão e os banheiros, pela manhã e à tarde.


— Tinha que ser tudo muito rápido, pois português não tem muita paciência. Falamos o mesmo idioma, mas as diferenças são grandes no vocabulário, na cultura e nos costumes. Não foi nada fácil.


Quando passou para o turno da noite, a correria aumentou. Seu horário, oficialmente, era das 14h à meia-noite, mas, em geral, deixava o serviço de madrugada, chegando em casa somente às 2h30min. Dependia de ônibus — ou caminhava 40 minutos — e barco. Dispunha de apenas uma folga semanal, e os intervalos para o jantar eram de 30 minutos. No restante
do tempo, Knopp ficava de pé. O ritmo era frenético.


— Eu estava me acabando — resume.


Decidiu largar o posto e começou na telentrega de comida. Não pagava pelo aluguel da moto, mas deixava 50% do que ganhava com o dono do veículo. Sobrava quase nada. A situação foi piorando. O caxiense dividiu moradia com outras quatro pessoas, dormindo em um sofá na sala. Trabalhou também em uma churrascaria, onde, com o fogo a pleno, a temperatura sufocava aos 47ºC no verão. Cumpriu turnos de até 16 horas de trabalho. O fotógrafo lembra de um dia em que, durante o almoço, o assunto da mesa eram o Brasil e os brasileiros.


Não tenho vergonha de falar que passei fome, que por semanas almoçava somente feijão ou massa. À noite, comia torta de maçã do McDonald’s porque eram duas por um euro (cerca de R$ 4,50). Fui ajudado por pessoas incríveis. Me perguntam se não deu certo. Para mim, deu. Acredito muito no tempo e na intensidade das coisas. Acho que esse era o meu tempo naquele momento. Não me arrependo. Perguntam se volto... quem sabe, né? Porém, desta vez, faria um pouco diferente e já sabendo como as coisas funcionam.
FABIANO KNOPP

Fotógrafo


— E tu, zuca (diminutivo de “brasuca”), o que acha dos brasileiros? — questionou um português.


Até então comendo em silêncio, Knopp, cansado das comparações, despejou:


— Há brasileiros e brasileiros, assim como portugueses e portugueses. É uma questão de cultura, é o sujo falando do mal lavado. Não podemos nunca generalizar.


Em 12 de agosto, domingo em que era celebrado o Dia dos Pais na terra natal, Knopp foi dispensado. Por mais esgotado que se sentisse, o fotógrafo lamentou perder o mínimo de estabilidade que conseguira até então, focando na promessa de que lhe seria dado um contrato de trabalho, o que o auxiliaria a permanecer legalmente em Portugal. Do pouco dinheiro que recebeu, emprestou uma quantia para um conhecido, que até hoje lhe deve. Ao retomar a função como motoboy, decidiu voltar para o Brasil.


— Pesei muito, falei com minha família e fiz uma coisa da qual talvez hoje me arrependa, mas, no meio do furacão, sozinho e sem ninguém, cabeça cheia, preocupado, nervoso, pois os dias foram passando... Minha última saída foi vender meu equipamento de fotografia para voltar — narra, ainda pesaroso por ter tido de abrir mão da câmera e das lentes.


Knopp ainda teve uma última experiência, considerada a melhor delas, em um pequeno restaurante com cardápio típico da Ilha da Madeira. Conseguiu dar risadas e aprender, mas a passagem aérea já estava comprada. Ao fazer um balanço, ele dá medidas iguais a reveses e boas experiências.


— Não tenho vergonha de falar que passei fome, que por semanas almoçava somente feijão ou massa. À noite, comia torta de maçã do McDonald’s porque eram duas por um euro (cerca de R$ 4,50). Fui ajudado por pessoas incríveis. Me perguntam se não deu certo. Para mim, deu. Acredito muito no tempo e na intensidade das coisas. Acho que esse era o meu tempo naquele momento. Não me arrependo. Perguntam se volto... quem sabe, né? Porém, desta vez, faria um pouco diferente e já sabendo como as coisas funcionam — diz Knopp, ainda se readaptando à Serra (está vivendo em Farroupilha) e sem câmera própria.

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

História de imigrante: francescoMatarazzo,o "imperador do Brasil"




Fabricante de fábricas, Francesco Matarazzo cresceu nas crises e ajudou a construir o capitalismo brasileiro

Fabricante de fábricas, italiano cresceu nas crises e ajudou a construir o capitalismo brasileiro

Empresário italiano radicado no Brasil, Francesco Matarazzo deixou sua marca na história por ter fundado o maior complexo industrial da América Latina. Quando morreu, aos 83 anos, ele deixou uma fortuna avaliada em cerca de US$ 10 bilhões.

Nascido em Castellabate, na província de Salerno, ele chegou ao Brasil em 1881, aos 27 anos.

Ao contrário do que muitos dizem, Matarazzo desembarcou em Santos com uma condição diferente de seus conterrâneos, que vinham fugidos da fome, e em busca de uma vida melhor.

A família de Francesco Matarazzo, na Itália, era rica.

Sua história vencedora em território brasileiro começa, de fato, em 1883 em Sorocaba, cidade do interior paulista, que na época tinha pouco mais de 13 mil habitantes.

Lá, ele abriu um armazém de secos e molhados, na sua própria casa. Sua primeira fábrica contava com uma prensa de madeira e um grande tacho de metal. O artefato era usado para produzir banha de porco em lata, afinal, era o produto necessário para a cozinha naquela época.

Ele próprio, no lombo de uma mula, percorria o interior de São Paulo em busca de porcos e para vender a banha que produzia.
Visão de negócio

Naquela época, boa parte da banha era importada dos Estados Unidos e vinha em barricas de madeira, que muitas vezes deixavam o conteúdo estragar.

Ao usar embalagens de metal, Matarazzo aumentava a durabilidade do produto e permitia que os consumidores comprassem quantidades menores, evitando o desperdício.

O sucesso fez que alguns dos irmãos de Matarazzo também desembarcassem no Brasil anos depois.

Matarazzo pensou em voltar para a Itália, mas os amigos italianos o convenceram que São Paulo seria a melhor opção.

Afinal, a capital era para onde estavam indo os vultuosos lucros do café. A cidade não tinha mais do que 65 mil pessoas quando ele chegou, em 1890.
Seu nome era trabalho

Começava o império de Francesco Matarazzo. Na capital financeira do Brasil, ele chegou a ter mais de 200 fábricas, que juntas, faturavam mais do que a produção individual de todos os estados brasileiros, com a exceção de São Paulo.

Sua paixão era visitar ao menos uma de suas instalações por dia, hábito que manteve até passar dos 80 anos.

Ele acordava por volta de 4 da madrugada e continuava a trabalhar até a noite.

Em São Paulo, Matarazzo tornou-se o maior maior vendedor de farinha de trigo – importada dos Estados Unidos –, mas sem negar as origens. Ele manteve as lucrativas fábricas de banha: a de Sorocaba e outra em Porto Alegre.
Os números das Indústrias Matarazzo

Segundo historiadores, Francesco Matarazzo acumulou um patrimônio que o colocaria confortavelmente entre os dez homens mais ricos do mundo, e o maior do Brasil.

As Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo, as IRFM, chegaram a empregar mais de 30 mil pessoas, número que pouquíssimas empresas privadas atingem no Brasil de hoje.

Apesar de ser um dos homens mais poderosos de sua época, Matarazzo era simpático e não gostava de ostentações.

Em 1924, em Nápoles, o conde deu provas disso ao encomendar um terno na sua alfaiataria preferida.

O alfaiate estranhou, dizendo que um filho do industrial havia passado lá mais cedo e mandado fazer não um, mas seis trajes. Matarazzo não titubeou: “Ele tem pai rico, eu não”.

Ao morrer, o empresário deixou a viúva Filomena, 11 filhos e mais de 30 netos e de dez bisnetos. A grande família do patriarca é parte da explicação de como um complexo industrial dos maiores já vistos no mundo pôde desaparecer.

Francesco Matarazzo jamais se naturalizou, mas sempre que podia, elogiava o país que o acolheu. O empresário ganhou o título de Conde do Reino da Itália – e passou a ser chamado assim também no Brasil.

Ele morreu em 1937, vítima de falência renal, às vésperas de completar 83 anos.
O declínio do império

Como um império empresarial pode ruir? De acordo com análises feitas ao longo do tempo, a má administração dos negócios da família e conflitos familiares foram os faotores determinantes.

A falta de dinamismo para a crescente concorrência nacional e multinacional também contribuiu.

Apesar disso, algumas empresas do grupo resistiram até 1983, até entrarem em concordata. Iniciando o desmanche final do império, que incluiu venda de bens, disputas familiares, ações trabalhistas e arrendamento de fábricas.
10 fatos sobre Francesco Matarazzo
Ao desembarcar no Brasil, ele viu naufragar as duas toneladas de banha de porco que havia trazido para iniciar uma atividade comercial no país.
Matarazzo foi fundador da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
Ele foi o doador do terreno, onde até hoje fica sua sede do clube Palestra Itália (o atual Palmeiras).
Matarazzo era uma verdadeira atração turística: os pais levavam os filhos para ver o empresário sair de carro – ou passear na calçada fumando seu charuto.
Ele jamais aprendeu a falar claramente o português, e se expressava no melhor estilo macarrônico.
Matarazzo contribuiu com muito dinheiro para o regime facista de Mussolini. O conde não escondia sua admiração pela figura do ditador, pela sua visão de mundo e pulso firme.
Ele nunca conseguiu superar a tragédia do filho morto em um acidente de carro em Turim.
Foi o primeiro presidente do Banco Italiano do Brasil, cujo objetivo principal era fazer remessas de dinheiro para a Itália, realizadas por italianos que trabalhavam no Brasil.
A importância de Matarazzo na economia do Brasil só é comparável à que teve o visconde de Mauá no Segundo Reinado do Império brasileiro (1822-1889).
Cerca de 100 mil pessoas saíram às ruas para se despedir no dia do seu sepultamento.

domingo, 29 de novembro de 2020

'Não rejeitamos estrangeiros se forem turistas, cantores ou atletas famosos, rejeitamos se forem pobres'


Irene Hernández Velasco
HayFestivalArequipa@BBCMundo
3 novembro 2020



CRÉDITO,ADELA CORTINA
Legenda da foto,

Adela Cortina cunhou um novo termo: 'aporofobia', que significa ódio aos indigentes, aversão aos desfavorecidos


A escritora e filósofa Adela Cortina (nascida em Valência, Espanha, em 1947) tem, entre suas muitas realizações, a de ter levado à língua espanhola um termo que a Real Academia da Língua adotou para definir o ódio aos indigentes, a aversão aos desfavorecidos.


E é precisamente esse termo que abre o título de seu último, Aporofobia, el rechazo al pobre (Aporofobia, a rejeição ao pobre, em tradução livre). Nascida em Valência, Espanha, em 1947, Adela é doutora honoris causa por diversas universidades, membro da Real Academia de Ciências Morais e Políticas de Espanha (foi a primeira mulher em fazer parte dessa instituição), professora emérita de Ética da Universidade de Valência e diretora da fundação Étnor.


Ela concedeu entrevista à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, no Hay Festival Arequipa 2020, no Peru, um encontro virtual de escritores e pensadores.


A seguir, os principais trechos da entrevista.





BBC Mundo - Você cunhou há mais de 20 anos o termo "aporofobia", reconhecido pela Real Academia da Língua e incluído em seu dicionário. Como surgiu? De onde vem etimologicamente?

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Adela Cortina - O termo "aporofobia" vem de duas palavras gregas: "áporos", o pobre, o desamparado, e "fobéo", que significa temer, odiar, rejeitar. Da mesma forma que "xenofobia" significa "aversão ao estrangeiro", aporofobia é a aversão ao pobre pelo fato de ser pobre.


E a palavra surgiu da forma mais simples, quando percebemos que não rejeitamos realmente os estrangeiros se são turistas, cantores ou atletas famosos, rejeitamos se eles são pobres, imigrantes, mendigos, sem-teto, mesmo que sejam da própria família.



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Da mesma forma que 'xenofobia' significa aversão ao estrangeiro, 'aporofobia' é a aversão ao pobre pelo fato de ser pobre


BBC Mundo - Por que é importante que haja uma palavra para denominar o ódio aos sem-teto?


Cortina - Porque as pessoas precisam dar nomes às coisas para reconhecer que existem e identificá-las; ainda mais se forem fenômenos sociais, não físicos, que não podem ser apontados com o dedo.


Nomear a rejeição aos pobres permite-nos tornar visível esta patologia social, investigar as causas e decidir se concordamos que continue a crescer ou se estamos dispostos a desativá-la por nos parecer inadmissível.


BBC Mundo - A aporofobia é um fenômeno especialmente de nossos tempos, em que o sucesso e o dinheiro são concebidos por muitos como valores supremos?


Cortina - Infelizmente, a aporofobia sempre existiu, está nas entranhas do ser humano, é uma tendência universal.


O que acontece é que algumas formas de vida e algumas organizações políticas e econômicas promovem a rejeição aos pobres mais do que outras.


Se em nossas sociedades o sucesso, o dinheiro, a fama e o aplauso são os valores supremos, é praticamente impossível fazer com que as pessoas tratem todas as pessoas igualmente, reconhecendo-as como iguais.



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Cortina aponta que imigrantes e refugiados não são bem-vindos em todos os países, inclusive alguns partidos políticos ganham votos quando prometem fechar suas portas


BBC Mundo - Como a aporofobia se manifesta na sociedade? Você pode nos dar alguns exemplos?


Cortina - Claro. Imigrantes e refugiados não são bem-vindos em todos os países, inclusive alguns partidos políticos ganham votos quando prometem fechar suas portas.


Tratamos com muito cuidado pessoas que podem nos fazer favores, nos ajudar a encontrar um emprego, ganhar uma eleição, nos apoiar a vencer um prêmio e abandonamos aquelas que não podem nos dar nada disso.


A sabedoria popular diz que você deve trocar favores em frases como "hoje por você, amanhã por mim", e os pais muitas vezes aconselham seus filhos a se aproximarem de crianças em melhor situação. O bullying escolar é um exemplo de aporofobia.


BBC Mundo - De onde vêm a aversão e o medo dos pobres, de que se alimenta a aporofobia? É algo biológico, neuronal ou cultural?


Cortina - Para colocar em uma palavra muito bonita e muito apropriada, é biocultural.


A evolução do nosso cérebro e da nossa espécie é biológica e cultural, ambas as dimensões estão interligadas, influenciam-se mutuamente.


No caso da aporofobia, existe uma base biológica, uma tendência a colocar o que não interessa entre parênteses, o que pode ser reforçado pela cultura ou desativado, cultivando outras tendências, como simpatia ou compaixão.



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Cortina é membro da Real Academia de Ciências Morais e Políticas da Espanha. Ela foi a primeira mulher a fazer parte dessa instituição


BBC Mundo - Você argumenta que a aporofobia é universal e que todos os seres humanos são aporófobos. Em que você baseia essa afirmação?


Cortina - No fato de a antropologia evolutiva mostrar que os seres humanos são animais recíprocos, estão dispostos a dar aos outros, mas desde que recebam algo em troca, seja da pessoa a quem deram ou de outra em seu lugar.


Este mecanismo tem sido denominado "reciprocidade indireta" e é a base biocultural de nossas sociedades contratuais, tanto políticas quanto econômicas.


Estamos prontos para cumprir nossos deveres se o Estado proteger nossos direitos, estamos prontos para cumprir nossos contratos se outros o fizerem.


Mas quando há pessoas que parecem não conseguir nos dar nada de interessante em troca, nós as excluímos desse jogo de dar e receber. Esses são os pobres, os excluídos.


BBC Mundo - As religiões tradicionalmente pregam em favor dos pobres. O catolicismo garante, por exemplo, que deles será o reino dos céus, e o papa Francisco está constantemente mostrando seu apoio aos pobres. A crise das religiões está relacionada à aporofobia?


Cortina - Mais do que uma crise de religiões, eu falaria sobre o fato de que, com algumas exceções, vivemos em sociedades pós-seculares.


Nelas, o poder político e o religioso não se unem, o que é excelente, porque então o pluralismo é um fato, mas as religiões não desapareceram, continuam a ser fonte de vida e de sentido para muitas pessoas e para muitos grupos sociais.


Até mesmo seus valores, junto com outros, estão na raiz dos valores da ética cívica nesses países.


Quanto ao cristianismo, efetivamente aposta em todos os seres humanos e no cuidado da natureza, mas por isso mesmo, num mundo onde há ricos e pobres, faz uma opção preferencial pelos pobres, exigindo que eles sejam fortalecidos para que possam sair da pobreza.



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Cortina acredita que a aporofobia é universal e que todos os seres humanos são aporófobos


BBC Mundo - A pandemia de coronavírus e a crise econômica que ela desencadeou podem aumentar a aporofobia?


Cortina - Por um lado, sim, porque quando as pessoas se encontram em situações de incerteza e medo, tendemos a fechar-nos em nós mesmos. Mas, por outro lado, o que a pandemia está mostrando é que foi a solidariedade que salvou vidas e evitou mais sofrimento.


Mostrou que somos interdependentes, e não independentes, que o apoio mútuo é o que nos salva. E essa força de solidariedade e compaixão é o que deve ser cultivado como o melhor aprendizado com a pandemia.


BBC Mundo - Você acha que a rejeição aos pobres está por trás da onda de xenofobia que nos últimos anos atingiu os Estados Unidos e a Europa? Se sim, por quê?


Cortina - Porque quando a situação política e econômica é ruim, buscam-se bodes expiatórios e os estrangeiros pobres são bodes expiatórios. Fechar as portas para eles, garantir que sejam um perigo e defender os de dentro contra os de fora é a tática dos supremacistas. Mas principalmente diante dos pobres.


BBC Mundo - Você considera que Donald Trump sofre de aporofobia? É possível que muito de seu sucesso político resida precisamente em sua aporofobia?


Cortina - Sim, acho que sim, e o mais triste é que isso gera votos. Ele não é um personagem extravagante e perturbado, mas um que sabe perfeitamente que muitas pessoas concordam com ele e, com isso, reforça sua aporofobia.


Veremos o que acontecerá na eleição e esperamos que a estratégia não dê bons resultados. Mas o pior é que Trump não é um caso isolado.



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A aporofobia existe e não é apenas uma questão econômica, mas a rejeição dos piores colocados em cada situação


Em cada um de nossos países, o supremacismo nacionalista rejeita os que estão em pior situação e essa tática lhes dá votos. No século 21, devemos reverter essa tendência.


A aporofobia ameaça a democracia porque viola a igual dignidade de todas as pessoas, exclui os pobres, os que parecem não ter o que trocar.


É radicalmente excludente, quando a democracia deveria ser inclusiva.


BBC Mundo - E qual dano a aporofobia causa a quem sofre dessa patologia social? Estamos cientes de que somos aporofóbicos?


Cortina - Não estamos. Por isso é necessário falar sobre essa patologia na esfera da opinião pública e tentar descobrir em que medida a aporofobia está envolvida em nossas vidas.


Felizmente, existem grupos trabalhando nesse sentido, jovens realizando projetos de licenciatura, mestrado e projetos de pesquisa sobre aporofobia.


BBC Mundo - A aporofobia também se manifesta entre países? Os estados mais ricos mostram aversão aos mais pobres? E dentro dos países pobres também há aporofobia ou é mais prevalente nos países ricos?


Cortina - Claro, os países procuram a ajuda dos mais poderosos e isso explica, por exemplo, que se aproximem da China, esquecendo que o país não quer falar de direitos humanos.


E, dentro de cada país, acredito que em todos eles há também uma tendência de se afastar dos em situação pior, tratá-los como leprosos, no sentido bíblico da palavra.


BBC Mundo - Como a aporofobia pode ser combatida?


Cortina - Percebendo que ela existe e que não é apenas uma questão econômica, mas a rejeição dos piores colocados em cada situação.


Creio que se luta construindo instituições baseadas na igualdade de valor das pessoas, e educando no respeito pela dignidade de todas elas, e não só com palavras, mas também mostrando no dia a dia que nos reconhecemos e nos sentimos igualmente dignos.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Apenas 5% dos municípios com presença de imigrantes e refugiados no Brasil oferecem serviços de apoio, aponta IBGE


Na grande maioria das cidades brasileiras não há nenhum tipo de instrumento para auxílio a estrangeiros que buscam refúgio no país. Entre 2010 e 2018, estima-se que cerca de 500 mil imigrantes deram entrada no país.


Por Daniel Silveira, G1 — Rio de Janeiro

25/09/2019 10h01 Atualizado há um ano




Venezuelanos entram no Brasil pela cidade de Pacaraima — Foto: Emily Costa/G1 RR



Um levantamento inédito realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela a baixa oferta de apoio governamental a imigrantes e refugiados que buscam asilo no Brasil. A pesquisa, divulgada nesta quarta-feira (25), mostra que apenas 215 cidades oferecem algum tipo de serviço específico para essa população.


Ao apresentar a pesquisa, o IBGE lembrou que “as migrações internacionais são parte constituinte da formação histórica e social do Brasil” e que, nos últimos anos, ganhou outro perfil. Diferente do que aconteceu na época do Brasil Império e na primeira metade do século 20, quando milhões de estrangeiros vieram ao país, entre 1980 e o final dos anos 2000, mais pessoas saíram do que entraram. Muitos brasileiros emigraram para os Estados Unidos, Japão, Portugal, Espanha e Reino Unido, entre outros.


A chegada de migrantes ao território brasileiro voltou a ocorrer de forma intensa a partir do final da primeira década do ano 2000 influenciada, conforme pontuou o IBGE, pelas crises político-econômica e climática no Haiti, mudanças na economia da China, estreitamento de laços com países africanos, o conflito na Síria e, mais recentemente, a profunda crise econômica da Venezuela.


De acordo com o IBGE, dados da Polícia Federal indicam que há presença de imigrantes e/ou refugiados em 3.876 dos 5.568 municípios brasileiros. Entre 2010 e 2018, foram registrados mais de 466 mil migrantes no país, além de 116,4 mil pedidos de refúgio.




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Registros de imigrantes no Brasil
Número de registros de entrada de migrantes, entre 2010 e 2018, nos principais municípios com fluxo migratório.
183.608183.60880.88780.88722.79122.79121.62721.62718.16918.16915.50615.50614.15014.15014.15014.15013.04513.04512.11612.11611.23111.23110.74210.74210.20410.2048.0368.0366.1446.144São Paulo (SP)Rio de Janeiro (RJ)Boa Vista (RR)Brasília (DF)Curitiba (PR)Manaus (AM)Macaé (RJ)Porto Alegre (RS)Florianópolis (SC)Belo Horizonte (MG)Salvador (BA)Foz do Iguaçu (PR)Campinas (SP)Recife (PE)Pacaraima (RR)0100k200k25k50k75k125k150k175k

Campinas (SP)
10.204

Fonte: Polícia Federal

“Os migrantes recentes [...], em geral, possuem nível médio de escolaridade, se inserem nos estratos inferiores da estrutura ocupacional, não dominam outro idioma além do nativo e chegam em situação de maior vulnerabilidade social e econômica, o que os faz demandarem políticas públicas de acolhimento e integração à sociedade brasileira”, enfatizou o IBGE.


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Diante disso, a pesquisa buscou investigar o acolhimento aos imigrantes previsto na nova Lei de Migração, promulgada em maio de 2017. De modo geral, o IBGE constatou fragilidade na execução desta política.



“Deficiências são observadas, como, por exemplo, no ensino do idioma, requisito prioritário como porta de acesso à plena integração; no acesso aos serviços sociais públicos; na inserção ocupacional, que via de regra está aquém das habilidades e qualificações; e na garantia à moradia adequada, entre outras limitações”, apontou a pesquisa.


Dentre as 3.876 cidades onde há presença de imigrantes, apenas 215 (5,5% delas) contavam com pelo menos um serviço de apoio previsto na política migratória do país – associação ou coletivo para relacionamento com o poder público, curso de português, atendimento multilíngue nos serviços públicos, abrigo para acolhimento, centro de referência e apoio, formação/capacitação profissional.

Oferta de serviços a imigrantes e refugiados
Número de municípios com oferta de serviços, por tipo de serviço
818148482525585863634747Associação e/ou col…Curso permanente …Atendimento multil…Abrigo para o acolhi…Centro de Referênci…Formação/capacitaç…0100255075
Fonte: IBGE


Associação de imigrantes


O IBGE destacou que um dos principais instrumentos para integração de imigrantes e refugiados é a associação ou coletivo desse grupo, devido à sua capilaridade para articulação com o poder público. Eles estão presentes em apenas 81 cidades onde há presença de imigrantes ou refugiados.


“Como os migrantes e refugiados não têm direito à participação política, quer dizer, votar ou ser votado em eleições proporcionais ou majoritárias, a organização em associações ou coletivos é o espaço do exercício democrático junto às instâncias de poder”.


A pesquisa chamou a atenção para a distribuição espacial destas associações e/ou coletivos, que se concentram, sobretudo, na região Sul do país. Dos 81, 44 estão na Região Sul. O Sudeste sedia 23, o Centro-Oeste, seis, o Nordeste, cinco, e o Norte, apenas três. Dentre as capitais que têm volume significativa de população migrante e/ou refugiada, o IBGE destacou que:


São Paulo - embora mantenha programa de formação e capacitação de servidores voltado ao atendimento de imigrantes/pessoas em situação de refúgio ou asilo humanitário, ainda não implantou o atendimento multilíngue;
Rio de Janeiro - tem relacionamento com as associações ou coletivos de imigrantes/pessoas em situação de refúgio ou asilo humanitário, além de oferecer cursos de idioma;
Brasília - só oferece abrigo;
Boa Vista - promove a cooperação com a União, oferece abrigo e mantém um Centro de Referência e Apoio a Imigrantes.


Mecanismos de cooperação


Conforme enfatizou o IBGE, a gestão migratória deve ser de responsabilidade das três esferas de poder, através de mecanismos de cooperação, com o ente federal gerindo as entradas/saídas, a regularização/regulação dos migrantes/refugiados e a cooperação internacional. Já a oferta de serviços, como o ensino do idioma, a geração de trabalho e renda, a oferta de moradia, devido à proximidade, deve ser ditada pelos estados e municípios, mas com suporte federal.


Das 27 unidades da federação do país, nove não possuem nenhum tipo de mecanismo de cooperação na gestão migratória. São elas Rondônia, Amapá, Tocantins, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Alagoas, Mato Grosso e Distrito Federal. “Neles, é importante ressaltar, a presença de migrantes/refugiados é diminuta”, ponderou o IBGE.


Em nível municipal, são apenas 75 os municípios, concentrados nas Regiões Sul e Sudeste, que possuem instrumentos de cooperação. Em 53 deles, a cooperação é feita com o estado, em 43, com a União, e 21 estabelecidos com os dois entes federados.


“Epitaciolândia, Manaus, Presidente Figueiredo, Boa Vista, Normandia e Pacaraima, localizados na Região Norte e que, recentemente, receberam correntes migratórias oriundas do Haiti e da Venezuela, estabeleceram cooperação ao menos com um ente federado”, ressaltou o IBGE

Curso de português para imigrantes e refugiados


Apenas 48 municípios, distribuídos em 11 das 27 unidades da federação, oferecem ensino de português a migrantes e refugiados, apontou o levantamento do IBGE. A maioria destas cidades se concentram em Santa Catarina quando, segundo a pesquisa, “a população de migrantes/ refugiados se concentra nos Estados do Amazonas, Roraima, Rio de Janeiro e São Paulo”.


“Não dominar o idioma do país de destino é um dificultador para além da comunicação cotidiana, pois prejudica o acesso ao mercado de trabalho e aos serviços públicos”, enfatizou o IBGE.


O órgão ressaltou, ainda, que “Unidades da Federação com importante presença de migrantes/refugiados sem a oferta de tais cursos acabam por gerar um complicador na gestão da questão migratória, como é o caso de Roraima”.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Biden nomeará latino para cuidar das políticas de imigração nos EUA



Equipe de transição anunciou outros nomes do 1º escalão em política eterna e segurança nacional COMENTE
Por G1 | Portal Gazetaweb.com 23/11/2020 18h39




Biden nomeará latino para cuidar das políticas de imigração nos EUA
FOTO: CAROLYN KASTER/AP

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O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou nesta segunda-feira (23) que vai nomear Avril Haines para ser diretora nacional de inteligência e Alejandro Mayorkas para chefiar o DHS (Departamento de Segurança Interna, em tradução livre)? a primeira mulher e o primeiro latino-americano a ocuparem os respectivos cargos.

A nomeação de Mayorkas é considerada simbólica porque ele, nascido em Cuba e naturalizado americano, ficará na chefia do departamento responsável pela imigração e pela patrulha de fronteiras. No caso de Haines, a principal atribuição dela será supervisionar os relatórios de inteligência enviados à Casa Branca, em um cargo criado depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001.


Veja os nomes anunciados nesta segunda para o gabinete de Biden:

Antony Blinken: ex-vice-secretário de Estado, foi nomeado para servir como secretário de Estado. Anteriormente ocupou cargos de relações exteriores no Capitólio, na Casa Branca e no Departamento de Estado.

Alejandro Mayorkas: ex-secretário adjunto do Departamento de Segurança Interna. Já foi aprovado pelo Senado dos EUA três vezes ao longo de sua carreira. É o primeiro latino e imigrante nomeado como secretário do Departamento de Segurança Interna.

Linda Thomas-Greenfield: embaixadora veterana com 35 anos no serviço de relações exteriores dos EUA. Trabalhou em quatro continentes. Foi indicada para servir como embaixadora dos EUA nas Nações Unidas.

John Kerry: ex-secretário de Estado será o enviado presidencial especial para o Clima e fará parte do Conselho de Segurança Nacional (NSC, na sigla em inglês). Com isso, será a primeira vez que o NSC incluirá um enviado dedicado às mudanças climáticas. Segundo a equipe de Biden, isso reflete o compromisso do presidente eleito de abordar as mudanças climáticas como uma questão urgente de segurança nacional. Kerry se candidatou a presidente em 2004, mas perdeu para o republicano George W. Bush, reeleito naquele ano.

Avril Haines: ex-vice-diretora da CIA e vice-conselheira de Segurança Nacional, será nomeada para atuar como diretora de inteligência nacional. Será a primeira mulher a liderar a comunidade de inteligência americana.

Jake Sullivan: será nomeado conselheiro de Segurança Nacional. É uma das pessoas mais jovens a ocupar essa função em décadas, aos 43 anos.

Segundo o jornal "The New York Times", a equipe reúne altos funcionários do governo Obama e a maioria trabalhou em conjunto no Departamento de Estado e na Casa Branca. Eles compartilham a ideia de política externa do Partido Democrata, que inclui cooperação internacional, fortes alianças e cautela quanto a intervenções estrangeiras após as guerras no Iraque e Afeganistão.

No anúncio, o escritório do presidente eleito disse em comunicado que "esses líderes experientes e testados em crises começarão a trabalhar imediatamente para reconstruir nossas instituições, renovar e reimaginar a liderança americana [...] e enfrentar os desafios definidores de nosso tempo ? de doenças infecciosas a terrorismo, proliferação nuclear, ameaças cibernéticas e mudanças climáticas".

Além desses anúncios oficiais, veículos de imprensa dos EUA como a emissora CNBC afirmam que Trump vai nomear Janet Yellen para o cargo de secretária do Tesouro ? cargo atualmente ocupado por Steve Mnuchin e que é considerado fundamental no esforço do governo em reaquecer a economia após o choque da pandemia do coronavírus.

Yellen tem experiência por ter presidido o Federal Reserve, o banco central americano, entre 2014 e 2018. O cargo de secretária de Tesouro precisa de aprovação pelo Senado, e, se passar, ela será a primeira mulher a ocupar esse posto.

Biden confirma secretário de Estado

A imprensa americana havia divulgado no domingo (22) que Antony Blinken deveria ser indicado para o cargo de secretário de Estado, que é equivalente ao de ministro das Relações Exteriores no Brasil. Ele substituirá Mike Pompeo, o maior braço-direito da política externa do governo de Donald Trump.

A escolha do experiente diplomata é uma decisão que pode marcar o retorno dos EUA ao multilateralismo, após o atual presidente americano ter se afastado dos aliados tradicionais do país.

Blinken, de 58 anos, é um dos principais colaboradores do democrata para política externa e foi o número dois do Departamento de Estado durante o governo de Obama, quando Biden era vice-presidente, e atuou como braço-direito de John Kerry ? agora escolhido para ser o enviado especial para o clima.

O anúncio ocorre 20 dias após a eleição em que Biden derrotou Trump, embora o atual presidente ainda não tenha reconhecido a derrota.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

O que pensam os imigrantes ilegais brasileiros que apoiam Trump


Economia, conservadorismo e estilo durão explicam porque até mesmo brasileiros deportados por Trump o apoiam.
Por Mariana Sanches, BBC

19/10/2020 09h29 Atualizado há 3 semanas




'Se o Trump mandou a gente embora, então a gente vai embora', diz Waldir (na foto com a família) — Foto: Arquivo Pessoal/BBC

Ao pisar no avião que o traria deportado dos Estados Unidos para o Brasil, há 10 meses, o agricultor Waldir Pereira da Silva, de 44 anos, conta que se sentiu aliviado. Pode soar estranho que alívio tenha sido a sensação de alguém que, no momento da decolagem do avião fretado pelo governo americano, viu enterrado seu sonho de reconstruir a vida nos EUA — pelo qual tinha pago R$ 126 mil a um traficante de pessoas, que prometera atravessar não apenas Silva, mas sua mulher Sedneia, de 36, e a filha do casal, Ana, de 14, pela fronteira com o México.

"Só que os americanos nos pegaram e eram tão brutos com a gente. Diziam que eles eram bons, e a gente era bandido, terrorista, querendo fazer mal no país deles. Era tanto sofrimento, que eu fiquei aliviado quando acabou", relatou Silva à BBC News Brasil, enquanto trabalhava em uma lavoura de café, em Alvorada, Rondônia.

Mesmo com pandemia, mais de 7,6 mil brasileiros foram detidos ao tentar entrar ilegalmente nos EUA em 2020

Depois de atravessar o rio Grande entre Ciudad Juarez, no México, e a cidade texana de El Paso, em fevereiro de 2020, não demorou muito para que Silva e a família fossem encontrados pelo serviço de imigração americano. A partir daí, eles passaram 16 dias em um centro de detenção, com muito medo e pouca comida, até engrossarem as fileiras de centenas de brasileiros já deportados sumariamente pelos Estados Unidos, em uma política de expulsão expressa de cidadãos do Brasil iniciada pela gestão de Donald Trump no fim do ano passado.

Silva e sua família sentiram na pele o que é a propalada política de tolerância zero do presidente Donald Trump com migrantes irregulares. Ainda assim, ele não nutre qualquer rejeição pelo comandante por trás do aparato estatal que o impediu de chegar à Carolina do Norte, onde sua rede de contatos lhe prometera que Silva ganharia R$ 80 por hora em serviços gerais, e não por dia, como em Rondônia.

"Eu apoio o Trump. Sempre gostei dele porque ele é uma pessoa rígida, que quer as coisas certas e bem feitas. Cada país tem a sua política e eu não tenho nada que discordar. Se o Trump mandou a gente embora, então a gente vai embora. Acho que o Brasil tinha que ser assim também, o Brasil é muito liberal, qualquer um entra, faz o que quer. O Trump é maneiro, segue princípios bíblicos, é sério, melhorou a economia e fala tudo o que ele pensa na cara mesmo", diz Silva, fiel da igreja evangélica Assembleia de Deus. Ele também é fã de Bolsonaro e da relação do atual presidente brasileiro com o americano. "Meu sogro sempre dizia: a gente tem que se escorar em árvore grande, que dá sombra", explica.

Sem documentos, a favor de Trump



Donald Trump está na reta final da sua campanha por reeleição — Foto: Reuters/BBC

Silva resume de modo simples os motivos pelos quais uma parcela significativa de migrantes brasileiros sem documentos apoia Trump, mesmo que as políticas do americano os mantenham sob risco constante de deportação: uma economia que apresentava pleno emprego até a pandemia de Covid-19 atingir o país, a defesa de uma agenda cristã e conservadora nos costumes e uma imagem de político destemido e durão.

A comunidade brasileira nos EUA é composta por cerca de 1,2 milhão de pessoas, das quais entre 250 mil e 400 mil estão em situação ilegal, segundo estimativa de 2016 do Migration Policy Institute. Embora não haja pesquisas sobre preferência eleitoral dos brasileiros no país para o pleito presidencial atual, existe uma impressão generalizada de que a maior parte da comunidade apoia o democrata Joe Biden, mas que o percentual dos que preferem Trump, tenham ou não documentos, — não é nada desprezível.

Prova disso é o outdoor que adorna atualmente a cidade de Governador Valadares (MG), origem de grande contingente de migrantes brasileiros no país. Ao lado de uma foto de Trump, há os dizeres: "A favor de Deus, a favor da família, a favor da vida, a favor de Israel e a favor do Brasil".

Migrantes indocumentados não votam nas eleições americanas, mas suas convicções políticas têm capacidade de influenciar a comunidade como um todo e o voto de brasileiros com cidadania americana.

A BBC News Brasil entrou em contato com ao menos duas dezenas de indocumentados apoiadores de Trump na última semana, mas a maioria deles não quis falar mesmo em condição de anonimato. Isso porque, além da frágil situação migratória, esse grupo enfrenta também a censura do outro lado da comunidade brasileira, que vê na reeleição de Trump um risco iminente para a manutenção de seu sonho americano.


"Quando eu falo que eu gosto do Trump, o pessoal me chama de racista, mas eu olho pelo lado do governo, quero saber se ele está sabendo trabalhar. E ele está, está funcionando", afirma Leandro*, de 37 anos, que em junho de 2015 entrou nos EUA com um visto de turista e nunca mais foi embora. Hoje ele trabalha em uma agência de remessa de dinheiro ao Brasil em Miami, na Flórida. "É claro que eu sei que Trump não gosta de migrantes, mas tenho a esperança de que depois de fazer a limpa que ele quer, ele vai legalizar quem quer ficar aqui pra trabalhar", diz Leandro.

Prisões, separação de crianças, muro na fronteira

O próprio Trump, no entanto, nunca deu qualquer pista concreta que sustente a esperança de Leandro. Ele se elegeu em 2016, prometendo construir um muro na fronteira com o México e colocar pra fora do país o que chamou de "bad hombres", em uma referência a latinos que vivem sem documentos nos EUA. E embora só em alguns trechos o plano do muro na divisa com o México tenha realmente saído do papel, o republicano, que concorre à reeleição em menos de 20 dias, aumentou o número de detenções e prisões de pessoas indocumentadas durante seu mandato e segue fazendo do assunto uma bandeira política importante.


Sob a gestão de Trump, além da deportação sumária, os brasileiros também passaram a ser submetidos a um protocolo que os impede de esperar pela audiência na Justiça de migração em território americano e os devolve automaticamente ao México.


O muro contra imigrantes vindos do México foi uma das grandes promessas de Trump em 2016 — Foto: Reuters/BBC

Algumas dezenas de crianças brasileiras estavam entre os menores de idade separados de seus pais após entrarem ilegalmente nos EUA, em 2018, em uma medida da gestão Trump considerada cruel até mesmo por políticos do partido do presidente e mais tarde suspensa. E o governo intensificou também ações de fiscalização e prisão de migrantes em empresas conhecidas por empregar mão de obra indocumentada — como frigoríficos — e em cidades com forte presença de comunidades latinas.


O bolso explica

Leandro se considera um "refugiado econômico". Quando diz que o governo Trump "está funcionando", ele se refere à saúde econômica do país. "O giro da economia aumentou muito no governo dele. É difícil ver gente aqui falar: 'eu tô parado'. Índice de desemprego baixíssimo, é isso o que as pessoas querem", afirma o paulistano que deixou o Brasil depois que a agência de turismo em que trabalhava fechou.


Governador Valadares tem outdoor de apoio a Trump — Foto: Divulgação/BBC

Se no Brasil, Leandro conseguia um salário mensal de cerca de R$ 8 mil, em Miami, ele afirma que, fora da pandemia, ganhava U$ 5 mil por mês (algo em torno de R$ 25 mil). Mesmo na atual recessão, afirma tirar mensalmente cerca de US$ 3,5 mil (ou R$ 17 mil), uma renda que não conseguiria no Brasil.

"Ninguém gosta do Trump pessoalmente, mas ele tem uma política econômica muito boa. Ele diminuiu impostos para pequenas empresas e investiu em retomar a industrialização, pra trazer mais empregos pra cá", diz a paranaense Flora, de 25 anos, eleitora de Trump, ressoando argumentos que o próprio republicano não cansa de repetir.


Flora conseguiu se naturalizar nos Estados Unidos há 8 anos, depois que sua mãe se casou com um americano. Já Ricardo*, o irmão mais velho dela, era maior de idade na época do casamento e não teve direito à documentação. Isso não o impediu de se mudar com a mulher e os dois filhos para a pequena cidade de Roselle, em Nova Jersey, onde também mora Flora.

Ali, Ricardo mantém uma empresa de instalações elétricas registrada sob o nome da irmã. Durante a pandemia, o negócio de Ricardo foi socorrido pelo auxílio emergencial dado pelo governo Trump, o que parece ter selado definitivamente a simpatia dos irmãos pelo republicano.


O argumento desses brasileiros é comum a parte dos americanos. Durante a campanha presidencial, embora sempre aparecesse com vantagem na intenção de votos, Biden era considerado pelos eleitores pior do que Trump para lidar com a economia.


De acordo com uma pesquisa da rede CNN feita em maio, 54% dos eleitores acreditavam que Trump teria mais condições de fazer o país crescer, contra 42% dos que acreditavam que Biden fosse o melhor. Essa liderança, no entanto, foi diminuindo gradativamente até desaparecer na última pesquisa, divulgada na primeira semana de outubro: agora o resultado é 50% a 48% a favor de Biden.


Flora diz que sente medo pelo destino do irmão, da cunhada e dos sobrinhos, caso sejam localizados pelos agentes de imigração. Ela teme estar tomando uma "decisão errada" ao apoiar Trump, mas encontra segurança no comportamento do próprio irmão, potencialmente o maior prejudicado pelas políticas do republicano. "Ele é bem mais de direita do que eu, apoia o Trump e gosta do Bolsonaro também", diz Flora.

O mito do bom migrante e o 'self made man'

A realidade da deportação não é algo distante da família. Um amigo paranaense que também mora em Nova Jersey enfrenta há meses um processo migratório que deve resultar em sua expulsão do país. Apesar disso, Flora acredita que o irmão empresário não seria um candidato à deportação.


"Trump não quer nos país apenas quem acabou de chegar ou quem tem ficha criminal. Se a pessoa está aqui pra contribuir com o país, ele não tem porque deportar".


Raciocínio parecido é repetido à BBC News Brasil por Leandro. "Nesse tempo todo, eu sempre paguei meus impostos, nunca fiz nada errado, sempre fugi de confusão. Se o governo quisesse me expulsar, já tinha me encontrado. Mas não tem interesse porque eu contribuo economicamente para o país", diz o apoiador de Trump.



Dono de uma empresa de construção civil na região de Boston, Massachussets, o paulistano Roberto*, de 38 anos vai ainda mais fundo no argumento. Ele veio ao país como turista e foi ficando ao longo de dez anos, eventualmente em situação irregular, até que se casou com uma americana.


Hoje é cidadão dos EUA e entusiasta de Trump. "O tanto que eu já sofri, passei fome, morei de favor… Sem sacrifício não tem retorno. O motivo que eu voto no Trump é que ele quer aqui quem faz bem pro país dele, quem quer trabalhar. Quem não quer, tchau. Hoje eu tenho muitos funcionários, mas sempre trabalhei 50, 60 horas por semana. Agora as pessoas querem que o governo dê tudo pra elas, querem ficar aqui sem pagar imposto, eu sou contra. Eu nunca ganhei nada de graça de ninguém", diz Roberto, que já não vive sob risco de expulsão.


A lógica por trás do argumento desses migrantes apoiadores de Trump mistura dois conceitos importantes na comunidade brasileira nos EUA. O primeiro é o de que o expatriado aqui se torna capaz de consumir e crescer dependendo apenas do suor de seu rosto. Para aqueles que não têm documentos, e portanto são invisíveis aos olhos do Estado, a ideia de ser um "self made man" é poderosa.


"Essa ideologia de meritocracia, a ideia da cultura americana de fazer por si só, permeia o imaginário da comunidade. E quando o migrante chega aqui e percebe que em duas semanas ganha o suficiente não só para se sustentar como para consumir, essa ideia fica ainda mais forte", afirma a paraense Heloiza Barbosa, de 53 anos, idealizadora do podcast Faxina, que conta histórias de brasileiros que vieram ilegalmente para os Estados Unidos e ganharam a vida com limpeza doméstica. A própria Heloiza trabalhou também como faxineira em Boston, logo que chegou ao país, em meados dos anos 1990.



O segundo conceito é o que Heloiza chama de "discurso do bom imigrante". É a ideia de que não serão denunciados ou expulsos do país "se não causarem problemas, se deixarem de usar até os serviços públicos a que têm direito, se não questionarem caso não sejam pagos conforme o combinado".


Mas Silva, deportado no início do ano, percebeu na pele os limites desse argumento. "A sorte não é para todos", ele diz.

'Deus vai tocar o coração dele'

A brasiliense Simone*, de 40 anos, chegou há 5 anos aos EUA com visto de turista, mas para ficar. Sem documentos, trabalha como faxineira na região de Boston. Evangélica, casada com um brasileiro também indocumentado e mãe de dois filhos nascidos nos EUA, ela é pessoalmente contra Trump, pois vê seu posicionamento em relação à migração como uma ameaça contra sua família.


Mas foi durante um ato numa igreja metodista que ela presenciou uma das defesas mais contundentes de Trump, de uma brasileira também indocumentada no país. "Ela disse que ninguém poderia falar mal do presidente Trump, olhou pra mim e falou: 'Deus vai colocar no coração dele o desejo de legalizar cada um de nós'".


Eleitores cristãos são parte da base eleitoral de Trump, considerado um dos maiores defensores das bandeiras conservadoras desses grupos, especialmente numerosos entre latinos. Às vésperas da eleição, Trump indicou para uma cadeira na Suprema Corte a juíza católica Amy Coney Barrett, que poderá ser o voto decisivo para a derrubada da decisão judicial dos anos 1970 que legalizou o aborto em todo o país.


"Pra mim, a questão do aborto é um divisor de águas. Coloco a vida desses bebês acima da minha questão de migração", afirma Leandro, católico que vai todo domingo à missa das 9 da manhã em uma igreja com cerimônias religiosas em Língua Portuguesa na Flórida

'Macho man'

Entre os migrantes com origem na América Latina, não só uma parcela de brasileiros mostra simpatia por Trump. De acordo com as pesquisas, a despeito de sua posição anti-imigração, ele conta com o apoio de 30% do eleitorado latino.


É certo que nesse grupo há um grande contingente de venezuelanos e cubanos, para quem o discurso anticomunista do presidente tem um apelo especial. Mas as pesquisas em diferentes Estados têm mostrado na verdade um apoio desproporcional de homens latinos a Trump, quando comparados a mulheres de mesma origem.


De acordo com um levantamento de agosto feito pelo Instituto Equis, por exemplo, no Arizona, um dos chamados Estados-pêndulo (onde não há favorecimento histórico a determinado partido), enquanto Trump recebia o apoio de 40% dos homens latinos, apenas 19% das mulheres latinas diziam apoiar o republicano.


Interessado em entender o fenômeno, o jornal The New York Times entrevistou homens de origem mexicana, que apontaram no estilo político de Trump, que inclui elementos de uma masculinidade assertiva e até mesmo agressiva, um traço que os atrai.


O mesmo aspecto surge nas conversas com brasileiros, e nesse caso, a contraparte brasileira de Trump, o presidente Jair Bolsonaro, ajuda a compor esse quadro. "A semelhança entre Bolsonaro e Trump é que eles são eles mesmos, não fazem cena de bom mocinho. Que eu saiba, o Trump vai no cassino, gosta da mulherada, e o Bolsonaro também, fala o que quer, xinga, fala palavrão, não fica fazendo a ceninha do cara engravatadinho, que fala tudo bonitinho. Ele não tem essa etiqueta e acho que é por isso que o povo se identifica", afirma Leandro.


Para Silva, "Bolsonaro é o cara", assim como Trump.


Ciente desse efeito, na semana passada, em um comício na Flórida, Trump afirmou diante do avião presidencial: "me sinto tão poderoso". Na sequência, dançou ao som de Macho Man, do grupo Village People, para delírio da plateia de apoiadores.

domingo, 25 de outubro de 2020

O futuro da imigração..



As sociedades devem manter as portas sempre abertas aos milhões que estão fugindo da violência no mundo?... 


Não se via uma crise global de refugiados desse porte desde o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Mais de 65 milhões de pessoas – o equivalente a vinte por cento da população norte-americana – foram desalojadas ao redor do mundo; dessas, 21 milhões são refugiados. Só na Síria, 6 milhões deixaram suas casas e outros quase cinco deixaram o país.

Tanto a Europa como os EUA estão em uma posição precária: as democracias são frágeis e movimentos de direita pela anti-imigração, fomentados pelo preconceito e pelo medo, estão em ascensão.

No Fórum da Democracia, realizado pelo New York Times em Atenas, na Grécia, em setembro, Roger Cohen, colunista do "New York Times", foi o moderador da discussão sobre imigração entre Stavros Lambrinidis, representante especial da União Europeia para os Direitos Humanos, o ex-primeiro-ministro italiano Mario Monti e Lucas Papademos, ex-primeiro-ministro da Grécia.

A conversa girou basicamente em torno do futuro da imigração e quais as obrigações internacionais – se é que há alguma – de receber bem, assimilar e proteger aqueles que procuram asilo. Segue uma versão editada e condensada do diálogo.


Roger Cohen: Tendo em mente as lições da Segunda Guerra Mundial e a maneira como as portas se fecharam para os refugiados nos anos 1930, o que devem fazer as sociedades, manter as portas sempre abertas aos necessitados? Ou às vezes são obrigadas a fechá-las?

Stavros Lambrinidis: Não. Acho que deve se manter aberta, mas a imigração e o número de refugiados têm de ser controlados. Não pode deixar virar caos. Sob nenhuma hipótese se deve fechar a porta para alguém cujo único crime foi ter nascido numa região pobre ou destruída pela guerra. Ao mesmo tempo, é preciso lidar com as causas desses problemas, do contrário estaremos só amenizando as consequências.

Falamos de crise de refugiados na Europa, mas acho que essa é uma denominação errônea. Acima de tudo é uma crise para milhões de homens, mulheres e crianças que tiveram de deixar seus países, enfrentando todo tipo de dificuldade, inclusive traficantes humanos, para chegar aqui, correndo o risco de se afogarem.

Roger Cohen: Mas eles não são refugiados?

Stavros Lambrinidis: Você é refugiado quando é reconhecido como tal. Eles estão em busca de asilo. Estão deixando seus países por outros, geralmente próximos de onde estão porque, em teoria, pretendem voltar. A segunda grande crise é a que estão enfrentando nos países de onde eles saem. Não podemos nos esquecer que, a princípio, são violações aos direitos humanos – falta de um governo decente, guerra, pobreza, desigualdade, corrupção –, os grandes motivadores desse êxodo.

A União Europeia tem de ser eficaz de duas maneiras: lançando mão de responsabilidades internacionais, na forma de leis, para proteger as pessoas que chegam às suas fronteiras, e fornecer ajuda humanitária, de desenvolvimento e perspectivas para as pessoas antes de elas partirem.
Pierre Terdjman/The New York Times


Roger Cohen: Como isso se aplica à Síria, por exemplo, um país que foi destruído? Ali, a própria ideia da violação de direitos humanos parece quase pitoresca. O que a União Europeia pode fazer para interromper o fluxo de gente desesperada saindo de lá e de outras nações em situação semelhante?

Stavros Lambrinidis: Além de nos esforçarmos para encontrar uma solução diplomática pacífica, estamos dando apoio com milhões de euros a estruturas dentro da Síria – de governo, educação, fornecimento de água –, tudo o que impeça o país de entrar em colapso, de modo que quando estiver pronto para a reconstrução política, terá infraestrutura para tal. Acontece que isso não tem glamour.

Roger Cohen: Não, não tem.

Stavros Lambrinidis: Estamos tentando provar aos milhões de sírios desalojados que, apesar de todo o sofrimento, não estão sozinhos nessa crise. Estamos fazendo de tudo para garantir que quando tudo isso acabar, eles tenham base suficiente para poder reconstruir o país sem ter de depender da caridade de terceiros.

Roger Cohen: Mario Monti, há momentos em que as sociedades ocidentais têm de simplesmente fechar suas portas? As pressões são muito grandes, os movimentos de direita estão ficando cada vez mais barulhentos e o povo parece não estar preparado para aceitar o aumento repentino de estrangeiros entrando na sociedade.

Mario Monti: Se você visitar o museu da imigração de Ellis Island, acaba vendo uma relação, em termos de longo prazo, muito positiva entre imigração e a diversidade, a vibração e o crescimento de um país. Não há dúvida quanto a isso.

Roger Cohen: Então por que essa ideia não pega mais?

Mario Monti: Por causa da evolução de nossas democracias. Talvez a rejeição que muita gente tem aos imigrantes e refugiados tenha ganhado um destaque excessivo. Ela se espalha e conquista a maioria da opinião pública devido à natureza imediatista do discurso político. A política atual nas sociedades democráticas tem de ser conduzida na base dos 140 caracteres de um tuíte ou no trecho de dez segundos de um debate político na TV. Isso cria uma seleção adversa de qualidade, integridade e erudição dos argumentos.

Deixamos nas mãos de determinados países a responsabilidade de lidar, em longo prazo, com a economia, a sociedade, só que eles não mostram uma preferência definitiva pela democracia. Podemos ter o sistema político de governo mais forte e mais íntegro, mas acabamos dilapidando-o com uma competição política mais acirrada e mais superficial.
The New York Times


Da esquerda para a direita, Cohen, Lambrinidis, Monti e Papademos


Roger Cohen: Você quer dizer então que, por causa dessas pressões, a solução é dizer "não" de vez em quando?

Mario Monti: A União Europeia tem d voltar a ser forte o suficiente para dominar essas reações. Num ambiente regulamentado não se pode pertencer a um sistema aberto e decidir, de uma hora para a outra, fechá-lo. Nesse caso, a retaliação seria ainda pior.

Roger Cohen: Sr. Papademos, qual a sua solução para essa questão?

Lucas Papademos: No geral e por princípio, não devemos fechar as portas aos necessitados e perseguidos, ou seja, os dois tipos de imigrantes com que estamos lidando, por motivos humanitários, democráticos, econômicos e legais. Ao mesmo tempo, não acho que seja realista, nem apropriado, manter as portas escancaradas.

Temos de evitar a repetição dos horrores da Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, a tragédia dos inocentes morrendo na Síria e no Mediterrâneo para chegar à nossa costa. Há também obrigações legais que estão sendo esquecidas: a Convenção de Refugiados de 1951, adotada logo após a Segunda Guerra Mundial e corroborada por 145 países, exige que as nações aceitem refugiados e pessoa sem busca de asilo, mesmo que cheguem ali ilegalmente.

A terceira razão por que as portas devem se manter abertas são os benefícios econômicos. Acho que subestimamos a imigração como fator gerador de longo prazo, particularmente relevantes para o continente. Pode reforçar o crescimento econômico graças ao aumento da mão de obra, principalmente em países cuja população está envelhecendo e enfrenta sérios problemas demográficos. Pode também, pelo fato de a maioria dos estrangeiros ser jovem e em idade de trabalhar, servir de respaldo para as finanças públicas e o sistema de seguridade social. Porém, é claro que, em curto prazo, pode haver efeitos adversos.

Por fim, um detalhe que pode ser estranho para muitos de vocês: a imigração pode desempenhar um papel decisivo na inovação e no empreendedorismo. Vi algumas estatísticas recentes que mostram que, na Califórnia, 44 por cento das novas start-ups com valores de pelo menos US$1 bilhão estão associadas a empresas estabelecidas por pessoas não nascidas nos EUA.

Roger Cohen: Muito bem falar de benefícios econômicos de longo prazo, mas o problema é quando acontece algo como em Paris e Nice, ou um ataque com machado como no trem na Alemanha, as pessoas se concentram nessas coisas, pois elas causam pânico. Stavros, em discurso nos EUA, você criticou o país por estar muito preocupado em achar que todo imigrante praticamente pode ser terrorista. Como superar esse medo que agora tomou conta das sociedades ocidentais?

Stavros Lambrinidis: Há duas maneiras de se fazer isso: uma, especialmente nas sociedades baseadas na razão, é pelo menos tentando usar um argumento razoável e falar abertamente sobre os fatos. Quando eu disse isso, nos EUA estávamos discutindo se o país deveria aceitar refugiados sírios. O argumento usado por aqueles que são contra é o do terror. De fato, os EUA aceitaram milhares de refugiados nos últimos anos e descobriu entre eles apenas três que têm potencial de ser ameaça à segurança.

Digo a vocês que o mundo tem de começar a pensar em segurança, como fez com o desenvolvimento há alguns anos, e na palavra mágica: sustentabilidade. Dá realmente para ter uma segurança sustentável se prender milhares de egípcios sem provas de que são terroristas, simplesmente porque acreditam numa religião, num movimento? Você vai radicalizá-los quando saírem da cadeia. Está sabotando o próprio sistema judiciário que, em longo prazo, precisa que seja bem-sucedido e estável. A segurança sustentável, assim como o desenvolvimento, tem de se tornar o novo paradigma da União Europeia.

Josh Haner/The New York Times


Roger Cohen: Mario, o que você diria se a chanceler Angela Merkel fosse vê-lo em Roma e falasse: “Agi bem, aceitei um milhão de refugiados; sem isso, a União Europeia teria rachado ainda mais rapidamente. Acho que vou perder as próximas eleições porque a opinião popular está se levantando contra mim. Fiz a coisa errada?”

Mario Monti: Eu diria a ela: “Angela, veja o seu antecessor, Helmut Kohl; hoje ele é lembrado na história europeia como o homem que instaurou o euro na Alemanha. Superou o obstáculo mais difícil, ou seja, a rejeição mental e psicológica do cidadão alemão comum à nova moeda, que suplantaria o adorado marco alemão. Ao fazer isso, perdeu as eleições de 1998 para Gerhard Schröder que, na época, fez campanha contra a nova moeda."

"Você está mais interessada em fazer mais um governo, o que só adiaria o momento da separação entre você e o poder, ou preferiria entrar para a história europeia e alemã sendo respeitada e com moral alto?".

Roger Cohen: Vimos os britânicos, em resolução extraordinária, votarem a favor da saída da UE. Lucas, até que ponto você teme a dissolução da União Europeia por causa da pressão da imigração em massa?

Lucas Papademos: Estou bastante preocupado porque, no momento, a UE enfrenta várias crises simultâneas, sendo que uma delas ainda se refere à fraqueza econômica. Mas a crise da imigração também é resultados de uma grande divisão entre os países – norte e sul, ocidente e oriente. O fluxo parece ter sido contido de forma razoável, mas se o pacto com a Turquia não for obedecido, se as guerras continuarem ou se o êxodo tiver novos picos, acho que isso tudo pode influir decisivamente como ameaça à coesão da Europa e ao seu futuro.

É muito importante lidar com as preocupações econômicas imediatas do povo – ou seja, o alto nível de desemprego e da desigualdade dentro dos países – e cuidar para que elas não ofusquem os benefícios de longo prazo da imigração.

Para que a política de refugiados seja efetiva, é importante que não só haja uma estratégia eficiente, como também que o fardo seja bem dividido, de modo que Itália e Grécia, que recebem um número muito maior de refugiados e imigrantes por causa da proximidade geográfica, não arquem com as consequências sozinhos. Você acha que há chances, principalmente depois do Brexit, de que a União Europeia, mais particularmente a zona do euro, se dissolva? Eu diria que, embora a probabilidade seja alta, é pouco provável.

Stavros Lambrinidis: Se a Europa pode entrar em colapso por causa de imigração? Minha resposta é um "não" enfático. Fiquei surpreso porque uma das primeiras coisas que os defensores do Brexit repudiaram após o resultado do referendo foi que, de alguma forma, o fluxo de imigrantes no Reino Unido mudaria de forma drástica.

A Europa enfrenta uma crise, sim, mas não de políticas específicas, e sim de valores. Inúmeros economistas de todas as partes do mundo analisaram o euro e disseram que era economicamente inviável, que não podia dar certo – e, no entanto, apesar das sérias crises, continua sendo uma das moedas mais fortes do mundo. Por quê? Porque foi criado como política, com uma base sólida de valores.

Essa ideia de que a Europa era uma união solitária e o fato de acharmos que pertencendo a ela teríamos nossos benefícios nacionais multiplicados fez com que as políticas, inclusive até as que eram consideradas instáveis, perfeitamente capazes de vingar. Por outro lado, quando se pensa na imigração e na política sóbria que define a questão, você imagina que alocar dois milhões de pessoas entre os 28 Estados membros seria coisa fácil.

Roger Cohen: Quando há mais de dois milhões de refugiados na Turquia e eles já representam 20% da população do Líbano.

Stavros Lambrinidis: Não está criando raízes com facilidade. Eu digo que isso é porque hoje temos valores instáveis. A imigração é uma questão global, não europeia, e foi por isso que a discuti quando estive nos EUA. Se você tem que combater a guerra e as violações aos direitos humanos, tem de fazer isso em nível global.