segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Imigrantes dizem sofrer ameaças e extorsão para poder chegar ao Brasil


Imigrantes dizem sofrer ameaças e extorsão para poder chegar ao Brasil
Mais um ônibus com 44 imigrantes deixou o AC, nesta sexta-feira (22).
'Oro a Deus para que me ajude e eu possa me estabelecer aqui', diz imigrante.

Grupo de 44 imigrantes pretende ficar em Curitiba (PR), Cuiabá (MT), Campo Grande (MS) e Florianópolis (SC) (Foto: Yuri Marcel/G1)

Mais um ônibus com 44 imigrantes haitianos deixou o abrigo montado pelo governo do Acre, em Rio Branco, nesta sexta-feira (22), com destino a estados das regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil. Dentro dele, histórias de gente que arriscou a saúde e lançou mão das últimas economias para pagar passagens de avião, ônibus, coiotes e até mesmo policiais estrangeiros. Tudo isso com o objetivo de chegar ao Brasil, conseguir um emprego, e melhorar de vida.

Esse é o caso de Joseph Júnior, de 27 anos, que diz ter sido extorquido durante a viagem. "No Peru tive que pagar U$ 500 para que os policiais permitissem que eu passasse. Cheguei ao abrigo sem dinheiro, com febre e dores de estômago", lembra.
No caminho para o Brasil, o haitiano Joseph Júnior,
de 27 anos, conta que foi extorquido e ficou doente.
Ainda assim, está otimista com a nova vida
(Foto: Yuri Marcel/G1)

Os percalços, todavia, não abalam a esperança do imigrante, que resolveu seguir os passos de um primo e ir para a cidade de Itajaí (SC). "Tenho um primo que vive lá há um ano e 5 meses. Ele me disse que está trabalhando em uma companhia e quem sabe falar espanhol tem mais facilidade para trabalhar", conta.

Para a haitiana Yfaula Casting, de 28 anos, o Brasil representa independência e uma chance de poder dar uma vida melhor para os dois filhos de 9 e 2 anos, que ela deixou no Haiti vivendo com a avó. Por isso, ela não se intimidou diante dos problemas que enfrentou para chegar ao país.

"Quando cheguei ao Peru os coiotes levaram o grupo de imigrantes que eu integrava por um caminho diferente do principal. Eles nos diziam que estávamos ilegais no Peru e que se a polícia nos encontrasse seríamos deportados. Apesar de tudo isso, estou feliz de chegar ao Brasil", afirma.

A imigrante quer seguir para a cidade de Londrina, no Paraná, onde um sobrinho a espera. "Oro a Deus para que me ajude e eu possa me estabelecer aqui para poder sustentar meus filhos", diz.
Novo grupo de imigrantes embarcou para estados
do Centro-Oeste e Sul do Brasil, nesta sexta-feira
(22) (Foto: Yuri Marcel/G1)

Grávida teve que viajar em bagageiro de ônibus, diz imigrante
As histórias de Joseph e Yfaula são apenas dois exemplos dentre muitos que se repetem no abrigo montado pelo governo do Acre, em Rio Branco, como conta Antônio Crispim, um dos coordenadores do espaço.

"Já ouvimos histórias absurdas, como o caso de uma imigrante haitiana grávida de oito meses, que viajou durante três dias no bagageiro de um ônibus, porque diziam que ela seria deportada se fosse pega. Os coiotes colocam medo e fazem pressão psicológica nas pessoas", explica.

Crispim ressalta ainda que o Brasil é visto por muitos imigrantes como um local de prosperidade. "O Brasil é um país emergente, que mesmo na crise está bem além do Haiti e aí eles arriscam tudo nessa viagem", diz.

Com o desgaste sofrido na viagem muitos adoecem. "A maioria dos imigrantes chega muito fragilizada. Imagine passar entre 10 e 30 dias viajando, tendo que se esconder e sendo extorquidos. Muitos chegam com problemas respiratórios, problemas de estômago, diarréia. Então levamos muitos para as Unidades de Pronto Atendimento e Hospital das Clínicas", conta.

Na última quinta-feira (21), após uma reunião com o governador do Acre, Tião Viana, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou que o Brasil deve aumentar o número de vistos para que haitianos entrem legalmente no país. No entanto, não informou de quanto será o aumento, ou quando a iniciativa será posta em prática.

O ministro disse ainda que o governo irá combater de forma "dura" a ação de coiotes, pessoas que cobram para fazer o transporte ilegal de imigrantes para dentro de um país. O porta-voz do governo do Acre, Leonildo Rosas, disse que a expectativa do Estado é que a questão da imigração descontrolada possa ser resolvida. "Esperamos que culmine em uma solução definitiva para esse problema que não é apenas do Acre, mas nacional", afirma.

Segundo ele, o governo do Acre já investiu cerca de R$ 15 milhões no apoio humanitário aos imigrantes, contra R$ 10 milhões que foram enviados pelo governo federal, desde o início do fluxo migratório, em 2010.
Grupo de imigrantes aguarda para poder embarcar no ônibus que sai do abrigo, em Rio Branco, para outros estados (Foto: Yuri Marcel/G1)

Entenda o caso
O Ministério da Justiça anunciou, na terça-feira (19), que um acordo com o governo acreano suspendeu o envio de imigrantes haitianos para a cidade de São Paulo. Segundo o ministério, a transferência "está suspensa até que ações referentes a essa questão estejam bem coordenadas entre os vários órgãos do governo federal, estados e municípios".

Inicialmente, a pasta havia informado que a transferência estava proibida para todos os estados do país. Às 22h10 da terça-feira, porém, o ministério afirmou que o acordo diz respeito apenas à cidade de São Paulo.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que não havia sido informada sobre a chegada de, aproximadamente, 1 mil imigrantes e, por isso, não tinha estrutura para recebê-los. Só na segunda-feira (18), em torno de 80 haitianos desembarcaram na cidade.

"É difícil receber estes haitianos sem termos 15 a 20 dias de antecedência para nos preparamos. São Paulo recebe bem os imigrantes, mas precisa de uma antecedência para planejar, até para conforto dos imigrantes", disse o prefeito Fernando Haddad em entrevista à rádio CBN.
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Já no dia 14 de maio, o governo do Acre se manifestou por meio do porta-voz oficial, Leonildo Rosas. Ele reforçou o informe do Ministério da Justiça sobre a continuidade das viagens para outras cidades e a suspensão das que estavam programadas para São Paulo.

"Houve um acordo comum entre os entes envolvidos – governo federal, São Paulo e Acre – para que haja uma suspensão temporária na ida desses imigrantes, até que se defina o fluxo. O convênio com governo para a ida para outros estados do Centro-Sul permanece. Vale destacar que o destino não é definido pelo governo, os imigrantes dizem para que lugares querem ir", afirmou na ocasião.

Rosas comentou ainda a reclamação do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, sobre não ter sido informado quanto à chegada de imigrantes. Segundo o porta-voz, o estado também não é notificado sobre a chegada das pessoas.

"Os imigrantes quando chegam ao Acre não notificam. Essa medida de informar os estados é do governo federal. Não cabe ao Acre fazer essa mediação. Nós acolhemos os imigrantes. Eles definem para onde vão e o governo federal faz essa mediação", disse.

Com a suspensão das viagens para São Paulo, um aviso foi afixado na entrada do abrigo para imigrantes mantido pelo governo do Acre, em Rio Branco. Entre as seis cidades que podem ser escolhidas estão Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Porto Velho, Cuiabá e Campo Grande.
Equipe da Secretaria de Desenvolvimento Social do Acre (SEDS) confere lista de embarque dos imigrantes (Foto: Yuri Marcel/G1)

Rota de imigração
Imigrantes chegam ao Acre todos os dias através da fronteira do Peru com a cidade de Assis Brasil, distante 342 km da capital. A maioria são imigrantes haitianos que deixaram a terra natal, desde 2010, quando um forte terremoto deixou mais de 300 mil mortos e devastou parte do país. De acordo com dados do governo do estado, entre 2010 e maio de 2015, mais de 38,5 mil imigrantes entraram no Brasil pelo Acre.

Eles vêm ao Brasil em busca de uma vida melhor e de poder ajudar familiares que ficaram para trás. Para chegar até o Acre, eles saem, em sua maioria, da capital haitiana, Porto Príncipe, e vão de ônibus até Santo Domingo, capital da República Dominicana, que fica na mesma ilha. Lá, compram uma passagem de avião e vão até o Panamá. Da cidade do Panamá, seguem de avião ou de ônibus para Quito, no Equador.

Por terra, vão até a cidade fronteiriça peruana de Tumbes e passam por Piura, Lima, Cusco e Puerto Maldonado até chegar a Iñapari, cidade que faz fronteira com Assis Brasil (AC), por onde passam até chegar a Brasiléia.