terça-feira, 12 de maio de 2015

Quem chega pra ficar : os imigrantes no Brasil




Quem chega pra ficar: os imigrantes no Brasil
Texto e fotos por Gabriel Soares

A dificuldade de imigrantes que chegam ao Brasil atrás de uma vida melhor e muitas vezes em condição ilegal é latente na Casa do Migrante, em São Paulo. Guerrilha conheceu a história de algumas dessas pessoas.

Chegando em uma paróquia no meio do bairro da Liberdade, em São Paulo, procuro por padre Paulo, um dos coordenadores da Casa do Migrante, onde os imigrantes vindos de várias partes do mundo chegam para recomeçar a vida quando não têm trabalho e algum contato formal no Brasil. É dia de Crisma coletiva, e muitos latino-americanos – como colombianos, peruanos e bolivianos – estão com suas melhores roupas para receber o sacramento da Igreja Católica. Antes da cerimônia, padre Paulo me conta que na noite anterior 80 haitianos haviam chegado do Acre com a esperança de encontrar uma maneira de ganhar a vida. Na lista de países de origem das pessoas que chegam por aqui estão Congo, Camarões, Haiti, Síria, China e outros da América do Sul.

O primeiro imigrante com quem converso é Osakue, um nigeriano que está há seis meses no Brasil e veio fugido da guerra. Ele trabalha atualmente instalando e fazendo a manutenção de aparelhos de ar-condicionado. Na Nigéria era soldador, função que pretende continuar a exercer por aqui. Osakue também quer trazer a família que ficou por lá para morar com ele; são três filhos e sua esposa. Quando chegou, conta que conseguiu trabalho temporário em uma empresa de soldagem, porém, logo que o serviço acabou, foi assaltado e ficou somente com a roupa do corpo. Com muita dificuldade para se comunicar na época, já na delegacia, conseguiu escrever seu nome e foi através das redes sociais que conseguiu encontrar um ex-colega de trabalho brasileiro chamado Marcos, que o encaminhou para a Casa do Migrante. Hoje, Osakue está aprendendo português muito rápido e por conta própria. Ele tem esperanças de ficar aqui legalmente, fazer cursos na área de solda e ter sua família ao seu lado no novo país.


Encontro outro nigeriano, Oluwadare, de 34 anos. Há apenas nove dias no Brasil, não fala quase nada de português. Na Nigéria, trabalhava no setor náutico, mas agora está disposto a encarar qualquer emprego, já que suas qualificações não têm validade em nosso país e sabe que provavelmente será muito difícil conseguir o mesmo tipo de trabalho aqui. Assim como na história de Osakue, sua família permaneceu na Nigéria e devem vir para cá depois. Oluwadare diz que quer aprender português o mais rápido possível, trabalhar e continuar vivendo no Brasil. Vindo do Haiti, Jules é o próximo com quem converso. Ele tem 28 anos e está há 15 dias em território nacional. Quando o abordei para a conversa, demonstrou-se desconfiado sobre minhas intenções. A reação é normal e até mesmo esperada, já que muitos dos imigrantes estão em situação ilegal e uma exposição lhes poderia causar problemas. Jules fala espanhol perfeitamente, o que facilita muito a nossa conversa. Ele me conta que na verdade sua família está na Republica Dominicana, e que chegou ao Haiti depois do terremoto que arrasou o país em 2010. Tem dois filhos, uma irmã, pai e mãe. A vontade de estar junto da família é unânime. Assim como a maioria dos imigrantes, Jules veio em busca de uma vida melhor, já que as condições no Haiti estão extremamente difíceis. Ele confessa que gosta muito do Brasil e que quer ficar aqui e conseguir um trabalho como em construções, por exemplo. Reclama do problema de não ter onde morar, já que a permanência na Casa do Migrante é provisória e muitas vezes não é possível abrigar a todos confortavelmente.

Depois de conhecer Jules, caminho até a cozinha e, preparando uma macarronada, está dona Silvna, que veio do Paraguai há sete anos. Ela tem família formada no Brasil e sempre que pode ajuda na cozinha da Casa do Migrante. Também veio atrás de emprego e acabou permanecendo. Hoje trabalha com costura, diz que não sofre preconceito por ser imigrante e gosta do país, mas mesmo assim pretende voltar para a sua terra em no máximo dois anos. Sobre os motivos, ela se queixa dizendo estar muito caro viver no Brasil, principalmente por causa do aluguel e da alimentação.

Entre os muito haitianos que estão conversando na frente da igreja, me aproximo de Frandy, que tem 24 anos. Há 3 meses no Brasil, não seria novidade se dissesse que veio buscando outra coisa que não um emprego. No Haiti a situação está escassa para os trabalhadores. Frandy já trabalhou com metalurgia e como pintor, conta que há brasileiros que o recebem bem, enquanto outros têm preconceito e desrespeitam muito os trabalhadores imigrantes de forma generalizada. Enquanto a conversa flui, muitos outros dos presentes vão se aproximando curiosos para saber o que está acontecendo. Frandy fala bem português e me diz que aprendeu sozinho no dicionário. Ele sente saudade do Haiti, mas conta que depois do terremoto ficou muito complicado continuar vivendo lá. Peço para tirar um retrato e ele me pede uma identificação de imprensa. Mesmo mostrando, ele se nega a ser fotografado.


Logo que acaba a cerimônia de Crisma, encontro com Lorenzo, um boliviano de 38 anos que há 15 vive aqui no Brasil. Ele me conta que o que o trouxe para cá foi a curiosidade. Como muitos outros bolivianos, trabalha em confecções, setor que em casos frequentes e, infelizmente, rotineiros, o serviço é executado de maneira abusiva e até mesmo denunciado como trabalho escravo. Familiarizado com a função, já que na Bolívia também trabalhava fazendo roupas, Lorenzo não pensa em voltar. Tem família formada em solo brasileiro. Quando pergunto se espera coisas boas para o Brasil em 2015, ele responde positivamente: “espero coisas boas, sim. Acredito que, como a maioria das pessoas que decide constituir família aqui, a esperança fica em nossos filhos”.

Padre Paulo decide me apresentar a um casal. Ele brasileiro e ela colombiana. Luz (32) veio atrás no namorado há três anos, com quem já mantinha um relacionamento na Colômbia. Aproveitou a oportunidade para terminar os estudos através de um intercâmbio. Ela diz que o Brasil e a Colômbia são muito parecidos e que aqui há oportunidades de trabalho. Entretanto, não nega que existem problemas. “A burocracia atrasa e dificulta muito a vida de quem chega aqui e quer se legalizar. Mesmo em departamentos públicos, dificilmente alguém fala alguma língua além do próprio português”. Ela também conta que pretende voltar para a sua terra natal daqui um tempo. Pergunto se posso fotografá-la e ela, muito educadamente, recusa. O motivo? O nome da revista. “Guerrilha tem uma conotação muito diferente na Colômbia”, ela diz. E completa: “Se você disser o nome da revista, muito provavelmente mais colombianos vão se negar a falar ou se deixar fotografar, pois estão justamente fugindo da guerrilha”.

Por fim, encontro uma senhora sentada na frente da escadaria da igreja. Rosse Mary Alvarez, que tem 55 anos e já está há 30 no Brasil. Veio terminar a faculdade de arquitetura e hoje trabalha no comércio. Acabou se tornando coordenadora do grupo de oração da igreja e aproveita a oportunidade para reclamar sobre a dificuldade que sente em relação a cultura da oração aqui no Brasil. Quando pergunto quais as suas esperanças para 2015, ela responde que “devemos ter esperanças nos políticos que elegemos nessas eleições, que eles mudem o que está errado e continuem o que está certo”.





» Gabriel Soares é fotojornalista pelo coletivo Guerrilha.
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