sexta-feira, 3 de março de 2017

Suíça facilita cidadania para netos de imigrantes




Eleitora vota nos vários referendos de ontem depois de ir à missa em Obersaxen Meierhof

| EPA/BENJAMIN MANSER

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Eleitores abrem caminho à naturalização dos imigrantes de terceira geração, mas rejeitam baixar impostos sobre as empresas

Após três tentativas falhadas em 35 anos para abrir as portas da nacionalidade suíça (incluindo uma que dava automaticamente a cidadania aos imigrantes de terceira geração), os eleitores aprovaram ontem em referendo o aligeirar do processo que permitirá naturalizar 25 mil pessoas que não são suíças mesmo tendo nascido na Suíça. A decisão surge apesar da campanha da extrema-direita, que incluía uma mulher de niqab (traje islâmico que deixa só os olhos a descoberto), alertar para o risco de islamização - quando na realidade a maioria dos beneficiados serão descendentes de italianos.

O "não" à decisão governamental que contava com o apoio do Parlamento de facilitar o processo de naturalização só ganhou ao "sim" em seis dos 26 cantões suíços, tendo sido aprovada por 60,4% do eleitorado. Desta forma, quando a lei entrar em vigor, a terceira geração de imigrantes nascida na Suíça não vai precisar de fazer testes ou ir a entrevistas com as autoridades locais, para provar que está integrada no país onde nasceu e sempre viveu.

Para os opositores à proposta, nomeadamente o Partido Popular Suíço (extrema-direita), esta é só a primeira fase de um plano para dar a cidadania a todos os imigrantes, que representam 25% da população. O partido, o maior na câmara baixa do Parlamento, alertou para o risco de "excesso de população estrangeira e aumento massivo nomeadamente do número de muçulmanos". O deputado Jean-Luc Addor deixou o aviso: "Numa ou duas gerações, quem serão eles, estes estrangeiros de terceira geração? Já não serão italianos, espanhóis ou portugueses."

Segundo dados de dezembro do Instituto Federal de Estatísticas da Suíça, os portugueses eram em 2016 o terceiro maior grupo de imigrantes a viver no país - quase 270 mil, atrás dos italianos (318 mil) e dos alemães (304 mil). No ano passado, 3927 portugueses conseguiram a nacionalidade suíça. A decisão de facilitar agora o processo beneficiará principalmente descendentes de italianos, mas também de turcos e de imigrantes dos Balcãs, segundo os cálculos do governo.

Mas a questão da naturalização não foi a única a ir ontem a votos na Suíça. E a vitória do governo neste tema não reduz o impacto da derrota na imposição de benefícios fiscais para as empresas. O objetivo da reforma fiscal que foi rejeitada por 59,1% dos eleitores suíços era nivelar os impostos para as empresas nacionais e estrangeiras, como prometido à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

A Suíça é há anos alvo das críticas da União Europeia porque os cantões têm um estatuto fiscal específico para as empresas estrangeiras, que significa que algumas não pagam nada além dos impostos federais de 7,8%. Para tentar compensar o facto de aumentar os impostos a estas empresas, o governo propunha benefícios fiscais ligados, por exemplo, ao desenvolvimento de patentes e muitos cantões planeavam reduzir as taxas para todas as empresas de forma a dissuadir as multinacionais de partir.

"Existe agora o verdadeiro perigo de a Suíça desaparecer do radar das empresas internacionais", reagiu o ministro das Finanças, Ueli Maurer, numa conferência de imprensa. A decisão afeta 24 mil empresas estabelecidas na Suíça, empregando 150 mil pessoas e que valem quase metade das taxas corporativas federais. O campo do "não" argumentava que a quebra da receita fiscal teria de ser compensada pelo contribuinte.

P&R

Mas quem nasce na Suíça não é logo suíço?

› Não. A cidadania na Suíça é determinada pela nacionalidade dos pais da criança e não pelo local de nascimento. Assim, por exemplo, os filhos de imigrantes portugueses que nasçam na Suíça são portugueses e não automaticamente suíços. Só quem tem a nacionalidade pode votar e participar na democracia direta que caracteriza este país.

E não podem obter a nacionalidade?

› Até agora, os não suíços tinham de esperar até aos 12 anos para pedir a nacionalidade, num processo que implicava fazer testes, ir a entrevistas com as autoridades locais (em que podem ser chamados a mostrar o conhecimento sobre queijos ou montanhas suíças ou até a sua habilidade para o esqui) e o pagamento de milhares de francos em taxas.

E o que muda a partir deste referendo?

› A ideia é facilitar o processo aos imigrantes de terceira geração, diminuindo também os custos (máximo 900 francos). Os candidatos têm de ter nascido na Suíça e ter entre 9 e 25 anos - aqueles até aos 35 anos terão um regime transitório, mas o limite de idade é para evitar fugas ao serviço militar obrigatório. Têm ainda de ter pelo menos cinco anos de escolaridade obrigatória no país, tal como um dos pais, que deve além disso ter autorização de residência e ter vivido pelo menos dez anos na Suíça. Um dos avós tem de ter nascido no país ou provar de forma credível que ali viveu. O candidato continua a ter de dominar uma das quatro línguas nacionais (alemão, italiano, francês e romanche) e respeitar a Constituição.

Quantas pessoas são abrangidas?

› De acordo com os cálculos do governo, pouco menos de 25 mil pessoas poderão agora pedir a nacionalidade através deste processo mais fácil - a maioria descendentes de imigrantes de Itália, mas também da Turquia e dos Balcãs. Todos os anos, estima-se que haja 2300 novos casos.